O lugar do passado na comunicação: conhecimento ou obsolescência?
O lugar do passado na comunicação: conhecimento ou
obsolescência? Por teimosia, venho desenvolvendo, nos últimos dois anos, uma
pesquisa sobre a aplicação da telegrafia nos processos jornalísticos no final
do século XIX no Brasil.
A Investigação nasceu da preocupação em trazer o
fator tempo para os estudos em Comunicação, inspirada pela professora Marialva
Barbosa. Devo a ela as reflexões que venho realizando e gostaria de
compartilhar pelo menos três dificuldades, que são também estímulos: a
ambiguidade epistemológica do trabalho; a natureza obsoleta do
objeto empírico – consideração coerente e decorrente do primeiro problema; e a
dificuldade de identificação das fontes. Portanto, trata-se fundamentalmente de
um problema de lugar.
Do lugar do conhecimento entre Comunicação e
História; do lugar do telégrafo no tempo e no campo da Comunicação, como objeto
digno de estudo; e, por fim, da localização das fontes, que remete, por sua
vez, ao meu próprio lugar de pesquisadora desprovida das competências de um
historiador profissional para
descobrir documentos e lidar com arquivos. Entretanto, de tanto insistir, creio
ter conseguido convencer sobre a relevância da pesquisa, pois a Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj)
recentemente concedeu apoio a ela.
Comecemos pelo último problema, a questão das fontes. Meu interesse está
em dimensionar a utilização da telegrafia pelos principais jornais do Rio de
Janeiro nas últimas três décadas do século XIX e descobrir como e para quê os
homens que publicavam os periódicos fizeram uso dessa nova tecnologia.
Para esse tipo de resposta, contamos com eventuais
reportagens que os próprios jornais podem ter feito sobre desenvolvimento de
seu aparato tecnológico, como nas edições comemorativas de aniversário ou em
notícias esparsas, de difícil identificação sistemática. A sorte, às vezes,
colabora com o método. Outro tipo de fonte ideal seriam os registros
administrativos dos jornais, correspondência de seus proprietários
ou relatos de memória que pudessem fornecer informação sobre essas práticas do
passado. Porém, desconhecemos a existência desse material. Ainda assim nos
restam
alternativas: os próprios jornais e os registros sobre a atividade telegráfica
no país.
As colaborações
Um importante recurso para perceber o grau de popularidade da telegrafia
entre os jornais é a documentação sobre a instalação e expansão da rede
telegráfica e
sobre a regulamentação do serviço de transmissão. Esses relatórios, entretanto,
fornecem números gerais, sem especificar as transações da imprensa. A obra mais
completa sobre telegrafia no Brasil que temos conhecimento e que serviu de
ponto de
partida é “A nação por um fio”, da historiadora e professora da Universidade
Federal
Fluminense, Laura Antunes Maciel, a quem agradeço imensamente pela ajuda
inicial
na investigação. Parte dos documentos por ela estudados foi revista, com o
objetivo de
obter algum dado que pudesse indicar o uso do telégrafo pelo jornalismo.
O principal documento é a “Memória Histórica” da Repartição Geral dos
Telégrafos (RGT), disponível na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, mas
supomos
haver inúmeros outros dispersos tanto lá quanto em outros acervos de documentos
públicos. Há também o problema da lógica da indexação. Por exemplo, o relatório
da
RGT de 1889 e 1890 foi descoberto totalmente ao acaso, graças à enorme boa
vontade, paciência, insistência e dedicação dos funcionários da Biblioteca
Nacional.
Portanto, um trabalho como este depende da cooperação e da parceria de
bibliotecários e arquivistas na garimpagem dos acervos. Também devo ao
professor
Ariel Sar, da Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS), da Argentina, a
colaboração nas trocas de referências, que vêm sendo fundamentais para avançar
na
pesquisa.
Apesar dessas dificuldades, já sabemos que a imprensa gozava de um lugar
especial no sistema telegráfico, pois era beneficiada com uma tarifa mais
baixa. A
redução em relação ao preço padrão variou de acordo com inúmeras
regulamentações
do serviço, mas se pode afirmar os jornais trabalharam com uma tarifa
diferenciada ao
longo de todo o período, indicando não apenas um estímulo estatal, mas também
uma
demanda real. Essa diferença foi de 50% em 1890, chegando a apenas 25% do valor
da
tarifa normal em 1896. O que não temos certeza é se essa tarifa especial era
aplicada
às transmissões feitas pelos jornais ou para os jornais. É provável que não se
tratasse
que um incentivo ao público, mas simplesmente um subsídio do governo aos
jornais
para reduzir suas despesas. Além disso, esse percentual já incidia sobre uma
redução
de 30% da tarifa que já era praticada para os “particulares”, isto é, para
transmissões
que não fossem do serviço público. Assim, os jornais eram beneficiados duas
vezes.
Uma portaria da RGT de 1890 dá pistas na pressão que os jornais deviam fazer
sobre as autoridades públicas, pois o texto informa que o órgão estava acatando
uma
proposta feita pelos donos dos jornais não só para reduzir a tarifa da imprensa,
mas
também para se realizar a cobrança pelo telegrama somente no destino.
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