O Herói e o Sentimento: Rondon e a Identidade Brasileira
O Herói e o Sentimento: Rondon e a Identidade Brasileira
O Herói e o Sentimento: Rondon e a Identidade Brasileira. Este trabalho tem
como um de seus objetivos o experimento metodológico de explorar alternativas à
“grande teoria social”, procurando responder a uma pergunta: como surgem e qual
o papel dos heróis nas sociedades contemporâneas? Para tanto usaremos as
informações relativas ao meio, à figura humana, às ações e ao impacto das ações
de Cândido Mariano da Silva Rondon, possivelmente, o maior herói nacional
brasileiro do presente século. (i)
Já há mais de duas décadas a preocupação de superar os cansados paradigmas dominantes
permeia a discussão teórica nas Ciências Sociais, especialmente em
Antropologia. Esta tem sido uma empresa que tem conquistado um sucesso, apenas,
limitado, apesar de tentativas pós-modernas e de se “escrever a cultura”.
Talvez as dificuldades de superação desses paradigmas decorram da identificação
dos funcionalismos e seus descendentes metodológicos com a própria essência das
Ciências Sociais dos tempos de hoje. Por isto, ao tratar deste tema, volta à
lembrança a figura mitológica de Sísifo, que nunca conseguia levar sua pedra
até o alto da montanha. Como Sísifo, continuaremos tentando.
É possível que essas verdadeiras algemas intelectuais tenham a ver com a
própria história das modernas Ciências Sociais, quando centram sua explicação
na divisão social do trabalho: o conceito durkheimniano de solidariedade
orgânica define a questão essencial referenciando a teoria sociológica, uma vez
que explicação passa, necessariamente, pela troca a partir de algum tipo de
especialização e divisão da trabalho.
Um caminho para se tentar avançar na teoria, talvez esteja em se explorar o
desconhecido território conceitual da “solidariedade mecânica”, usado por
Durkheim, apenas, para delimitar os limites da solidariedade orgânica, e não
para definir um campo autônomo de investigação.
A solidariedade mecânica seria visível, conforme seu inventor, nas explosões da
indignação coletiva, como após os crimes hediondos ou a traição à pátria. Na
solidariedade mecânica, a coesão seria resultante da similaridade entre os
sujeitos sociais, não da especialização, da divisão do trabalho e da troca.
Nela, o sentimento partilhado substitui a interdependência como base da vida
social.
A emoção partilhada é um aspecto essencial, porém, ignorado pela Sociologia.
Não precisa se restringir aos momentos de indignação coletiva exemplificados
por Durkheim. Nesses instantes explode, tornando-se claramente visível, mas
está sempre presente na vida coletiva e sempre ausente da teoria social. Ao
relegar a emoção ao plano da Psicologia, as Ciências Sociais deixam, talvez,
devido às dificuldades inerentes à empresa, de explorar um importantíssimo
aspecto da dimensão humana e da vida em comum - uma “microfísica” da emoção que
permeia o cotidiano.
Para se estudar as emoções coletivas é essencial que se identifique o que faz
os homens se emocionarem em conjunto. Esses sentimentos partem, em geral, da
moral, da religião, dos aspectos simbólicos e estéticos.
Desta maneira, a Arte assume um papel fundamental, no exercício metodológico
aqui proposto, como forma de exprimir a emoção coletiva. O artista plástico, o
escritor, o autor de filmes, o poeta, tornam-se figuras estratégicas, pois suas
atividades detonarão as emoções coletivas responsáveis pelo curso da história e
a identidade da cultura.
Esta visão valoriza o indivíduo criador da cultura. Santos e heróis, artistas e
profetas, voltam a ser importantes para o pensamento social, como em Homero, ou
em muitas da mais antigas tradições religiosas, desequilibrando não só o jogo
esportivo e a guerra, mas também, o próprio processo cultural. Não só o
indivíduo, mas o indivíduo em suas emoções, como Aquiles em sua ira.
Não se trata, apenas, de aplicar um conceito convencional de “Ideologia” mas
sim, de se entender e descrever a iniciativa de grupos de homens,
sensibilizando-se reciprocamente pela via da emoção e produzindo novas formas
culturais, sociais políticas e econômicas. Não se busca, também, relações não intencionais
entre ideia, economia e sociedade, como em Weber.
Nossa proposta é a de identificar relações intencionais, conscientes, entre
seres humanos, originárias da emoção, a partir de valores morais, religiosos e
estéticos, no sentido de mudar ou manter a cultura. De se voltar a admitir a
possibilidade da ação deliberada de indivíduos transformar o curso da história
e alterar a cultura.
Se de um lado esta perspectiva pode ser considerada um corolário dos paradigmas
mais recentes que fazem da indeterminação – caso dos modelos matemáticos de
caos - um ponto de partida, por outro, não deixa de representar um retorno às
formas clássicas de se escrever História e, em Antropologia, às abordagens
particularizantes na explicação de processos culturais, como em Franz Boas, por
exemplo.
Um relevante precedente para se explicar o Brasil, nesses termos, é encontrado
em Manuel Bomfim que, em seu livro “Brazil Nação”, atribui a abolição da
escravatura aos poetas brasileiros, capazes de emocionar multidões e
mobilizá-las para a libertação dos escravos. Há outros exemplos, melhor
encontrados no território da História do que, propriamente, no das Ciências
Sociais, como a relevância da ópera, especialmente Nabuco de Verdi, como fator
de mudança política e cultural na Itália.
Um estudo de singular importância para se entender Rondon e seu tempo é o de
Lucien Febvre, “Honra e Pátria”, notas de aula redigidas logo após a Segunda
Guerra Mundial, cujo manuscrito foi recentemente descoberto, e publicado,
também, no Brasil. A motivação de Febvre foi a de entender o comportamento de
dois irmãos, a partir desses conceitos, Honra e Pátria, inscritas nas insígnias
da Legião de Honra francesa. Esses jovens, filhos de uma conhecida de Febvre
combateram em lados diferentes na França dividida durante a guerra.
Para compreender o tempo, as ideias e as ações de Cândido Mariano da Silva
Rondon é indispensável se considerar as mesmas noções de honra e pátria em sua
expressão brasileira, bem como, as possibilidades oferecidas aos brasileiros para
que pudessem expressá-las em sua vida.
Ao fazê-lo assumiremos uma atitude que contempla o meio no qual agiam as
intenções de Rondon e de outros atores sociais do seu tempo, como também,
reflexivamente, as nossas próprias intenções, voltadas para a exploração de
alternativas metodológicas originais, frente aos valores humanos, éticos e
políticos que nos emocionam quando este assunto é discutido.
II- Por que Rondon se tornou herói nacional (ii )
Rondon, militar da arma de engenharia, impressionou profundamente seus
contemporâneos. É considerado um grande herói da nacionalidade, talvez o mais
importante do século XX, sendo lembrado, principalmente, pelas seguintes
atividades:
1. Exploração e mapeamento de enormes espaços desconhecidos da Amazônia, especialmente
no Vale do Guaporé, no atual estado de Mato Grosso, no estado batizado em sua
homenagem como Rondônia, e no Estado do Amazonas, abrindo-os, assim, para a
exploração econômica, a colonização por nacionais brasileiros e o controle pelo
estado.
2. Desenvolvimento de métodos de ações que excluíam a violência física,
voltados para a interação com as populações indígenas, bem como a criação do
antigo “Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores
Nacionais”, mais tarde, apenas “Serviço de Proteção aos Índios”. O
relacionamento dos representantes dessas agências de governo com os índios eram
orientados pelo famoso motto “Morrer Se Preciso For, Matar Nunca”.
Outras atividades de Rondon:
1. Participação no movimento militar que acabou com o império e proclamou a
República.
2. Implantação de sistemas de comunicação por telégrafo a fio e abertura de
estradas em vastas regiões do Centro-Oeste e da Amazônia brasileira.
3. Comando das tropas governamentais nas ações em larga escala que enfrentaram
tropas revolucionárias em 1924.
4. Inspeção de fronteiras quando, liderando diferentes expedições, percorreu
todos as linhas de limites do País.
5. Mediação do conflito entre Peru e Colômbia pela região de Letícia.
6. Redação de um grande número de relatórios e obras científicas, contendo
informações sobre as regiões percorridas e as populações indígenas. Coleta de
farto material etnográfico, botânico, zoológico e geológico para o Museu
Nacional.
Porque é Rondon é reconhecido como herói? Afinal os resultados econômicos e
políticos de sua atividade não foram imediatos. Certamente, este reconhecimento
não foi apenas um resultado da bem sucedida “construção” de seus feitos.
A resposta é que Rondon foi capaz, através de suas propostas e realizações, de
exprimir algumas das premissas essenciais da cultura política das elites
brasileiras, reinterpretadas e, também, assumidas pelo restante da população.
Rondon foi em certa medida, a corporificação dessas premissas.
Aceitamos, em um capítulo anterior deste livro, o ponto de vista de autores
como Oliveira Vianna e, recentemente, José Murilo de Carvalho, do papel
preponderante de uma elite nacional brasileira que teria cruzado os séculos.
Esta elite se sentiria portadora de um projeto cujo objetivo maior seria a
unidade nacional. Esta característica, por contraste com nossos vizinhos
hispano-americanos, consiste em um dos mais incisivos argumentos no discurso de
afirmação da identidade nacional brasileira. Assim, o conhecimento e a
conquista da extensa parte do território nacional, graficamente representada
nos mapas como um branco vazio, “região inexplorada”, representava um severo
questionamento à autoimagem da nação.
Em um livro recente, o geógrafo Demétrio Magnoli reelabora as idéias do
historiador Jaime Cortesão, do impacto do mito da cartografia portuguesa da
“Ilha Brasil”. O Brasil, por esta visão partilhada pelas elites até hoje, seria
uma “ilha” ecológica e cultural, delimitada pela rede hidrográfica e pelo
Oceano Atlântico. Por esta mitologia geográfica, as fronteiras brasileiras não
seriam o resultado de uma construção histórica e política, mas sim, um produto
da natureza, algo imanente, antes e acima da história. Este seria mais um
motivo para que os limites do território brasileiros fossem considerados auto
justificáveis e “sagrados”.
A ideia da “ilha Brasil” continua fazendo parte do imaginário nacional
brasileiro nos dias que correm. A unidade territorial seria conferida pelas
“fronteiras naturais” traçadas pelos rios da Bacia do Prata, Paraguai e Paraná,
além do Guaporé, do Tapajós e do Amazonas. Esta unidade
territorial corresponderia, grosso modo, à área de expansão dos grupos Tupi,
antes da chegada dos europeus. Um importante autor que defendeu a imanência
natural e cultural da nação brasileira, e subscreve a teoria da Ilha Brasil é o
saudoso Professor Darcy Ribeiro, em seu livro de 1995, “O Povo Brasileiro”
(iii).
Embora o estudo de Magnoli enfatize a questão das fronteiras e não, a da
ocupação do território, à qual dedica algumas poucas páginas, nessas não deixa
de observar que essa maneira de pensar teria seu ponto culminante na construção
de Brasília. Uma expressão anterior seria a “Marcha Para O Oeste”,
empreendimento de peso do primeiro governo Vargas. A situação de Brasília no
divisor de águas do Prata (através do Paraná), Amazonas e São Francisco seria
uma expressão da ideia da “Ilha Brasil”.
A concepção da “Ilha Brasil”, de uma entidade aparte, afirmando a identidade do
País, é, também, aparente na delimitação dos marcos históricos: a descoberta da
América por Colombo- caso único nas Américas- é uma data secundária no Brasil.
A data inaugural da nossa história é o 22 de Abril, o dia do descobrimento do
Brasil por Pedro Alvares Cabral. A concepção da “Ilha Brasil” é afirmada,
também, em expressões linguísticas e literárias, como no caso dos gaúchos de
Érico Veríssimo, referindo-se ao Brasil como o “Continente”, isto é, uma grande
ilha.
A não ocupação desses espaços por cidadãos leais à ideia de nação brasileira
era considerada um sério risco para a integridade territorial do País. Esta não
deixava de ser uma preocupação dotada de fundamento, dada a histórica
agressividade norte-americana na América Latina, que perdura até os dias
atuais, como demonstra o bloqueio contra Cuba.
No século passado o Brasil tinha experimentado graves problemas com o Estados
Unidos, que exigiam a livre navegação dos rios amazônicos. Pouco após a guerra
com o México e a expropriação de cerca da metade do território mexicano,
iniciou-se na imprensa norte-americana um movimento no sentido de forçar a
abertura dos rios brasileiros, o que poderia, facilmente, escalar para
exigências territoriais. O governo norte-americano chegou a manobrar
diplomaticamente junto a outros países da América Latina e da Europa, nesse sentido,
e esperava-se a qualquer momento um ultimato nos mesmos termos do imposto ao
Japão, para a abertura de seus portos. (ver Magnoli,1997,180-183). Para a sorte
do Brasil, a guerra de secessão veio desviar a atenção dos americanos do Norte
para outros problemas. Posteriormente, o governo brasileiro iria abrir os seus
rios à navegação, por decisão própria, soberana, devido à disseminação do
liberalismo como doutrina econômica no País.
Em 1903, quando Rondon já estava em atividade nos sertões brasileiros, os
Estados Unidos em nome da truculência da doutrina do “Big Stick” intervêm na
Colômbia, fomentando a revolta no Panamá e possibilitando a construção do canal
do mesmo em uma faixa de terra sob seu controle (iv).
Portanto, Rondon interpretou eficazmente os anseios e a ideologia territorial
brasileira e, assim, a identidade nacional, ao explorar regiões desconhecidas e
afirmar a presença do estado em áreas contíguas a alguns dos mais
significativos limites Oeste da “Ilha Brasil”. Esta foi uma razão, dentre outras,
pelas quais se tornou um dos nossos heróis.
Outra razão foi ter interpretado e afirmado na prática a ideologia da
identidade mestiça do povo brasileiro. Suas opiniões, sobre as relações com os
índios refletiam a ideia da convivência fraterna das raças. A promessa de uma
utopia onde não haveria diferenças de “raça, classe ou credo” é outra premissa
de nossa identidade nacional (ver o capítulo I) que Rondon corporificou em seu
pensamento e prática. Aliás, “corporificar” toma aqui um sentido literal, pois
Rondon, descendente de índios Bororo, com cara de índio e tez morena era, ele
mesmo, um exemplo de mistura racial, de um mestiço de índio vestido com
uniforme militar e insígnias de poder, representando o estado no sertão.
Desde Gilberto Freyre, a política de miscigenação tem sido considerada um
instrumento de povoamento dos territórios coloniais portugueses. Portugal, com
uma população pequena, apenas através da miscigenação conseguiu povoar os
extensos territórios descobertos na América, África e Ásia. Tal política
resultava, na América portuguesa, da escravidão negra e indígena e do sexo
entre homens brancos e mulheres negras ou índias.
A ótica de povoamento portuguesa diferia da inglesa. Enquanto aquela concebia
os índios como escravos e trabalhadores a serem incorporados à ordem produtiva,
esta os classificava como nações autônomas com as quais se assinavam e rasgavam
tratados e com as quais se declarava a guerra e se fazia a paz. O índio era o
inimigo. Já para os portugueses, índio inimigo era aquele que se recusava a se
submeter. Mais do que “inimigo” era um “rebelde”.
A posição católica portuguesa parte da premissa da inclusão. Todos são
potencialmente salvos, desde que aceitem a submissão e a hierarquia (via de
regra, associada às mais duras práticas repressivas). A posição inglesa
protestante parte da premissa da exclusão. Os eleitos, como percebeu Weber, já
estão previamente assinalados. Por isto têm o direito de viver em relações de
simetria e respeito uns com os outros e o de eliminar, sem maiores delongas,
todos os que, por uma ou outra razão, sejam considerados obstáculos à
realização de seus objetivos. Aspectos como democracia interna associada à
intolerância frente à diversidade, bem como, a segregação racial decorrem, em
larga medida, dessa premissa de exclusão na organização da cultura
norte-americana. A violência brasileira na repressão aos desafios à ordem
hierárquica, o pensamento político antidemocrático e a fragilidade da
democracia respondem a essa outra premissa que podemos denominar de “inclusão
hierárquica” portuguesa, ibero-americana, e católica, em geral. O desenho das
comunidades (tanto as locais como as nacionais/imaginadas) é diferente, na
medida em que a inglesa e a norte-americana têm limites rígidos enquanto a
ibérica e a latino-americana possuem limites difusos (ver Zarur, 1984)
A premissa portuguesa/brasileira da inclusão é aparente não só no cotidiano do
sistema de parentesco, sempre em expansão potencial pelo recurso ao compadrio,
como no “calor humano” , isto é, na abertura à comunicação fácil nas relações
pessoais. (v)
Positivista, acreditando apenas na “Religião da Ciência”, Rondon nem por isso
deixava de viver plenamente a idéia católica da inclusão hierárquica (vi).
Acreditava que os índios deveriam ser incorporados à sociedade brasileira, e
gradativamente ocidentalizados (vii). Militar, via-os como valiosos guias e
auxiliares nas suas expedições de desbragamento, bem como, os “guardas naturais
de nossas fronteiras”. Rondon chegou a transferir os Parecis de seu território
original para que ajudassem na proteção às linhas telegráficas que implantara
em Mato Grosso. Sem a ajuda dos Bororo, visto que sua tropa estava depauperada
e destruída por doenças tropicais, não teria construído a linha telegráfica do
Araguaia a Mato Grosso. Sempre acreditou porém, que lhes deveria ser garantido
um território suficientemente extenso para que pudessem sobreviver com
dignidade (viii).
Desse ponto de vista, dos objetivos, a proposta indigenista de Rondon - de
incorporar os índios à civilização ocidental- não era, assim, tão diferente
daquela assumida pelas missões religiosas católicas (ix)A lógica da inclusão na
hierarquia continuava imperando. O “morrer se preciso for, matar nunca”, era,
por outro lado, uma versão da muito cristã idéia de martírio na “conversão dos
gentios”.
Havia, entretanto, significativas diferenças frente à catequese religiosa
tradicional. Salvar almas, não vidas, era, freqüentemente, o maior, senão o
único interesse de muitos missionários daquele tempo. A destruição das formas
religiosas tradicionais dos grupos indígenas, classificadas como manifestações
demoníacas era, e são, por si mesmas, agressões violentas contra a identidade e
a cultura dos índios. Por outro lado, muitas ordens religiosas não hesitavam em
usar recursos brutais, como, por exemplo, a separação de pais e filhos, para
que esses não sofressem a influência dos mais velhos. Hoje, as missões
católicas fazem exatamente o oposto, respeitando a cultura indígena. Na
proposta de Rondon, a catequese religiosa era trocada por um vago e eventual
culto cívico à pátria e à bandeira, sem conseqüências tão dramáticas quanto a
conversão religiosa forçada. (x)
O envolvimento do governo federal na defesa dos índios contra a violência
física foi uma inovação importante. É indiscutível que os governos
estaduais/provinciais refletiam, da forma mais direta, o poder político local e
que a igreja, freqüentemente, não mais era que um instrumento da expansão das
terras dos potentados locais. O interesse do governo central, por outro lado,
consubstanciado na criação do SPI, freqüentemente conflitava com o dos estados.
Não há como negar frente à evidência histórica reunida por autores como
Gagliardi (1989), que havia uma pressão da opinião pública internacional e uma
forte mobilização das camadas médias urbanas contra o uso da violência física
nas relações com os indígenas. Oliveira Vianna, homem da Primeira República,
como Rondon, via no estado a única forma de controle dos potentados locais,
pela imposição da força e da lei e, esta era a função do SPI, no referente aos
índios .
Não resta dúvida, também, de que mesmo sem o uso da violência física como forma
de roubar terras indígenas, a chamada “proteção” não funcionava, na prática,
condenando as populações indígenas ao desaparecimento em razão das doenças e da
pobreza decorrente da desorganização produtiva .
Rondon, foi capaz de tocar a corda do sentimento nacional, pois através de suas
propostas e ações levou à prática o princípio da inclusão hierárquica: da
miscigenação e da “democracia racial” e a partir daí, a da suposta
"bondade do brasileiro”. Deu concretude a esses princípios da identidade
nacional brasileira, traduzindo-os para uma nova etapa da história do País em
que a Igreja Católica começava a perder sua centralidade.
Se havia um ambiente ideológico centenário, definindo uma auto-imagem e,
através dela, uma identidade para o Brasil ancorada na noção de um território a
ser ocupado por mestiços, havia um outro, mais imediato, resultante da
proclamação da república. É notável, como Rondon e seus contemporâneos assumiam
a república como sendo uma verdadeira revolução, no sentido social e econômico,
como se estivessem reproduzindo a revolução francesa nos trópicos. As idéias
não estavam apenas ‘fora de lugar “, usando a expressão de Roberto Schwarz mas,
também, fora de tempo”.
Caracterizava-se a república brasileira, em seu começo, pelo mesmo
anticlericalismo francês de mais de cem anos atrás (xi)embora não tivesse
surgido qualquer tentativa de se tomar as terras ou riquezas da igreja. A
mudança, após a República, consistiu na separação legal e definitiva entre
igreja e estado, com o fim do regime de “padroado” (xii) que fazia da primeira
uma quase dependência do último, de forma que tal inovação não deixou de ser,
também, positiva para a autonomia da Igreja. Assim, a extinção do subsídio
financeiro governamental para a catequese religiosa foi uma conseqüência
natural do princípio da separação igreja-estado. Porém, de há muito a igreja
tinha uma presença restrita e descontinua no meio indígena, em parte, devido à
própria penúria financeira em que era mantida pelo governo imperial.
A leitura dos documentos da época demonstra que o simbolismo republicano (xiii)
permeava as relações pessoais, como se tivessem sido abolidos, de uma hora para
outra, os privilégios relativos ao acesso à riqueza e, especialmente à terra.
Em um dos trechos da carta do Ministro da Agricultura Rodolpho de Miranda na
qual convida Rondon para dirigir o recém-criado Serviço de Proteção fica bem
clara essa atitude:
“...................................................................................................................
Não cabe ao governo insistir em práticas seculares que falharam em seus ideais,
revelando-se, no longo decurso de seu predomínio, baldas de prestígio para
deter a corrente da raça varonil que votava à escravidão e ao extermínio.
Cumpre-lhe, ao contrário, constituir, em bases novas, a catequese, imprimir-lhe
a feição republicana, fora do privilégio das castas, sem preocupação com o
proselitismo religioso, constituindo serviço centralizado nesta Capital, com
irradiação pelos Estados onde se torne necessária tal ação que é chamado a
exercer, pacientemente e sem a intermissão de esforços.
A direção superior desse serviço vos será confiada..................................................................”.
Rondon responde ao ministro, na melhor forma republicana francesa como “Cidadão
Dr. Rodolpho de Miranda, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio”.
A constituição republicana importava os sentimentos franceses e o modelo formal
de democracia norte-americana, mas não abolia os velhos hábitos de corrupção,
fraude e manipulação aberta do processo eleitoral, mantendo-se o poder na mão
dos mesmos oligarcas do império. Comportavam-se, entretanto, os republicanos
como se estivessem transformando o Brasil em sua raiz.
Rondon, positivista, falava com a maior desenvoltura a linguagem simbólica da
república. Afinal, o positivismo de Auguste Comte não deixava, também, de ser,
um produto acabado do pensamento republicano francês do século passado.
III- De Como Rondon se Tornou um Herói Nacional
O mundo está cheio de “soldados desconhecidos”, heróis anônimos, túmulos sem
nome. Heróis, para desempenhar, plenamente, seu papel, devem ter um nome, um
rosto e seus feitos divulgados. Por isto, os bardos cantam seus feitos, ou às
vezes, é o próprio herói que consegue, com característica modéstia, contar suas
proezas.
Rondon conseguiu tocar na emoção de seus contemporâneos pois, além de realizar
uma obra única, teve a possibilidade de divulgar seus feitos, idéias e
propostas, e conferir à velha premissa da ocupação do sagrado território
brasileiro por uma população mestiça, forma compatível com as expectativas do
seu tempo.
A mais significativa mudança política, seguida à proclamação da república,
consistiu na abertura de cargos do governo central a novos setores da classe
média, especialmente, a militares do exército. Até então, as forças armadas
haviam sido mantidas a uma cuidadosa distância da máquina de estado. Se isto
era verdadeiro, mesmo, para a aristocrática marinha, o que não dizer do
exército, tão bem retratado por Oliveira Vianna, como originário de uma classe
de mestiços, caso do próprio Rondon. Soldados pelos quais o próprio imperador tinha
grande desprezo, ao chamá-los de “assassinos profissionais” , episódio que foi
um dos estopins da chamada “crise militar”, no império.
Militar do exército, tendo desempenhado um papel no movimento que levou ao fim
do império, Rondon, mestiço de índios, nascido no interior mais longínquo, de
família humílima, passava devido ao acaso, por estar no tempo certo no lugar
certo, a contar com a possibilidade de ocupar cargos e posições, de poder se
manifestar, ser ouvido e respeitado em suas opiniões e pontos de vista.
Só teve sucesso, também, devido à sua pessoa, capaz de definir e transmitir,
com clareza, seus objetivos, intenções, valores, bem como, sua habilidade para
levá-los à prática. Sua capacidade de se comunicar com seus contemporâneos.
Este é um ponto importante, pois análises recentes caracterizam os “atores
sociais” como mesquinhas figuras manipuladores, que buscam, tão somente, a
maximização de dinheiro, poder e prestígio, esvaziando o ser humano de sua
condição moral e, assim, de uma de suas qualidades mais “humanas”(xiv ).
Quanto aos seus valores e motivações apoiavam-se nas mesmas idéias de “honra e
pátria”, tão bem analisadas por Lucien Febvre. O nacionalismo romântico seria
capaz de obrigar os homens a realizar atos em que exporiam suas vidas. Essas
idéias, de honra e pátria, continuavam fortes durante e após a Segunda Guerra
Mundial e, com diferentes nuances, mantêm-se vivas nos dias atuais. Na América
Latina uma de suas manifestações recentes foram os movimentos revolucionários
dos anos 60, sem se esquecer seus heróis guerreiros como Fidel Castro ou Che
Guevara. As idéias de honra e pátria são, é claro, por vezes projetadas da
nação para a humanidade como um todo, casos do marxismo, como do próprio
humanismo positivista de Rondon (xv ).
Febvre relembra o papel especial do conceito de honra para as organizações
militares, sem ir, entretanto muito a fundo nesta questão. As associações do
conceito de honra com, exposição a perigos, coragem e violência físicas e uma
candidatura ao martírio têm, certamente, uma relação com esse aspecto. No
ambiente romântico da “belle époque”, era natural que os brasileiros letrados,
civis e militares, procurassem aventuras que lhes trouxessem glória e o
reconhecimento, sob a égide dos princípios de honra e pátria.
Muitas das revoluções brasileiras da Primeira República iriam expressar, em
larga medida, além dos bem descritos aspectos regionais de arranjos
oligárquicos, a insatisfação política da classe média urbana. Era, também, a
insatisfação com uma vida rotineira e sem brilho. A busca de uma vida de
aventuras era um importante apelo, especialmente, quando essas prometiam honra
para o indivíduo e a redenção da pátria. Verdadeiros martírios, como o caso dos
dezoito do Forte ou a Coluna Prestes, iriam exprimir essa conjunção de
imperativos morais e sentimentos (xvi ). Não faltavam motivos, “racionais”,
para justificar a ação, como os encontrados em diagnósticos dramáticos e de uma
enorme força, caso do maravilhoso épico de Euclides da Cunha (xvii ),
descrevendo a guerra de Canudos.
Cedo, muitos perceberam que a questão nacional não estava solucionada pela
república, como em um passe de mágica. Como demonstra Lima (1995), Euclides da
Cunha e Rondon eram, ambos, engenheiros militares. Esses eram os melhores
alunos da escola militar (xviii ) e, assim, mais expostos à discussão de idéias
e questionamentos de caráter político. Engenheiro militar de uma geração
posterior, Luiz Carlos Prestes, “o cavaleiro da esperança”, seria outro dos
grandes heróis brasileiros deste século (xix ).
Alternativa às aventuras bélicas era a oferecida pela exploração dos vazios
geográficos do país. Para isto, os engenheiros militares estavam tecnicamente
bem preparados. Não havia a necessidade de uma guerra, no sentido literal, mas
a exposição aos riscos e vicissitudes inerentes à exploração do ignoto.
Aquela era a época das grandes expedições científicas. Na África, os relatos de
Livingstone e Stanley acendiam a imaginação do público. A expedição de Burton e
Speke de 1857 a 1859, que demandava as nascentes do Nilo, também era bem
conhecida. Só seria plantada uma bandeira nos pólos nos anos em que Rondon
explorava o interior do Brasil, por Peary e Henson, que atingiram o Polo Norte
em 1909 e Scott quando chegou ao Polo Sul em 1912. Essas expedições eram
consideradas importantes conquistas da humanidade. Havia toda uma justificativa
da aventura elaborada através do discurso do avanço científico delas
decorrente. Um enorme público se interessava por este tipo de “show” .
Rondon, (xx ) no começo de sua vida profissional larga um confortável posto de
professor na escola militar para se associar a Gomes Carneiro, na construção
das linhas telegráficas em Mato Grosso. Passa de 1890 a 1899, períodos
alternados no Rio de Janeiro, de como professor ou ocupando outros cargos, e
outros, em Mato Grosso, implantando a linha telegráfica, que ligaria Cuiabá ao
Araguaia e Uberaba, unindo, desta forma, a Capital de Mato Grosso à Capital
Federal .
De 1900 a 1906 é encarregado da linha telegráfica de Cuiabá à Corumbá e às
fronteiras do Paraguai e da Bolívia. É o próprio Rondon que conta que após
Araguari, o ponto final da estrada de ferro, saíram, em marcha até Morrinhos,
Goiás, e daí rumo ao Araguaia, para Mato Grosso. As mulheres dos soldados
seguiam a coluna acompanhando seus maridos, conforme a tradição do exército
brasileiro, (xxi ). Dos 81 praças, com que contava inicialmente, o destacamento
estava, após meses de marcha, reduzido a 31 soldados, devido a doenças, mortes
e dezessete deserções (Viveiros, 1958:136). Este seria seu primeiro contato com
os índios Bororo, que logo, às centenas, seguiriam a combalida tropa e
forneceriam o apoio necessário à abertura da picada e à implantação da linha
telegráfica.
Pelo caminho, ia Rondon, em Mato Grosso, demarcando e requerendo terras
indígenas ao governo, caso dos últimos terrenos ainda ocupados pelos Terena.
Tais acontecimentos tornavam-se conhecidos pelos habitantes do Rio de Janeiro e
de outras cidades do País. As aventuras de Rondon, suas explorações e relações
com os índios eram amplamente divulgadas pelos jornais da época. Faziam parte
do espetáculo que os governos modernos tem a apresentar a seus cidadãos. Os
espetáculos de caráter científico, como os exibidos pelos museus de história
natural são um exemplo (Zarur, 1994). No caso, além do aspecto geográfico e da
coleta de material para o Museu Nacional, nas áreas das “field sciences” de
Antropologia, Botânica, Zoologia e Geologia, era adicionado um marcante caráter
cívico (xxii).
A “Comissão Rondon”, conhecida por este nome, iria se estender de 1906 a 191O,
quando foi explorado um espaço do tamanho aproximado da França, que aparecia em
branco nos mapas, com o título “Região Desconhecida”. Rondon iria, agora,
deslocar seu trabalho de implantação das comunicações telegráficas do
Centro-Oeste para a Amazônia. A missão era unir Cuiabá ao Amazonas, ao Acre, ao
Alto Purus e ao Alto Juruá. Foram estendidas linhas telegráficas com dimensões
que poderiam ligar Lisboa a Varsóvia.
A Comissão Rondon contava com uma estrutura de peso e representava uma
ampliação do modelo de organização militar para a exploração de territórios
desconhecidos, desenvolvida durante as expedições anteriores. Reunia mais de
duzentos homens, entre oficiais, praças, cientistas e guias índios. Havia oficiais
especialistas em observações astronômicas (para determinação de coordenadas),
topografia, desenho, fotografia, um médico, além de cientistas de diferentes
áreas da história natural. Tinham bois de carga, mulas e cavalos, onde o
terreno permitia o deslocamento por esses meios. Era comum, entretanto, que,
por alguma circunstância, como erro de localização, os membros da Comissão
ficassem perdidos, tendo que se alimentar da caça e coleta de frutos.
A primeira etapa da expedição, realizada em 1906 e 1907, consistiu na
“descoberta” do Rio Juruena, do qual se conheciam referências, mas que há mais
de dois séculos não era percorrido por nenhum explorador.
Foi realizada sua plotação no mapa. Aos demais acidentes geográficos,
campos, serras, rios desconhecidos e cachoeiras, Rondon ia dando os nomes,
celebrando seus companheiros, figuras históricas, datas importantes ou apenas
paisagens ou acontecimentos, como “fogo”, “fumaça” etc. Foram consumidos mais
de dois meses, nesta fase, para percorrer 967 km.
Ao reconhecimento de uma determinada área, seguia-se a implantação de uma
estação telegráfica e, quando fosse o caso, de um destacamento militar, para
servir de base ao próximo avanço. Em 1908 partiu, seguindo as pistas traçadas
no reconhecimento do ano anterior, com destino a Santo Antônio do Madeira, pelo
Juruena. Teve, entretanto que retornar devido a má notícias: “obras paralisadas
desde Agosto; serviços desorganizados; abastecimento de víveres inexistente;
crédito do fornecedor suspenso; deserções em massa para fugir às torturas da
fome. Era urgente a presença do chefe para recolher os destroços do naufrágio”
(Rondon in Viveiros, 1958: 268).
A expedição seria retomada no ano seguinte, quando, após nove meses, dos quais
os últimos quatro, perdidos na mata, vivendo de mel, caça e frutas, sofrendo
pesadas baixas devido ao beribéri, impaludismo e à fome, enfim, chegou a Santo
Antônio do Madeira, daí seguindo para Manaus.
Supunha-se que a expedição tinha sido dizimada pelos índios e pelas doenças
tropicais, como tinha acontecido com várias outras. Seu retorno foi uma
surpresa. Em Manaus, Rondon foi recebido com todas as homenagens do povo e da
elite local. Gravemente doente, voltando por mar para o Rio de Janeiro, tem de
desembarcar na Bahia, para receber tratamento médico. Chega ao Rio em 1910, em
pleno Carnaval, que é interrompido por uma entusiástica multidão que o recebe
no Cais Pharoux (Coutinho, op. Cit. 95).
Estava, assim, reconhecido o herói, ungido pelo aplauso das multidões, que o
recebe após uma arriscada viagem, cheia de perigos e sacrifícios, como é do
feitio dos heróis enfrentar. Realizava-se um movimento espontâneo gerado pela
emoção coletiva, de júbilo, inverso ao descrito por Durkheim, de indignação, na
descrição da “solidariedade mecânica”
Em 1910, Rondon inicia a organização do que seria o Serviço de Proteção aos
Índios. Em 1913, é chamado do trabalho de implantação das linhas telegráficas
de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira para uma nova missão: a de acompanhar
Theodore Roosevelt, ex-presidente do Estados Unidos, em uma expedição em que
pretendia caçar e obter informações e espécimes de animais e plantas para o
National Museum of Natural History, de Nova York. Theodore Roosevelt escrevia
sobre suas aventuras para o New York Times.
A missão de acompanhar Roosevelt era de grande interesse diplomático para o
País e poderia influenciar o destino da Amazônia brasileira. Roosevelt era um
dos formadores da opinião pública norte-americana e estaria escrevendo para o
mais importante jornal dos Estados Unidos. Seus antecedentes políticos e
militares eram capazes de despertar os mais profundos receios no governo
brasileiro, pois quando Presidente tinha complementado a Doutrina Monroe, com a
tese do direito de intervenção armada norte-americano na América Latina. Rondon
fora, agora, chamado a “pacificar” alguém mais poderoso. Aliás, essa era,
comumente, a percepção dos índios, ao trocar presentes com os brancos “bravos”:
Eles, índios, estavam “pacificando” aqueles estranhos militarmente mais fortes
e não, o contrário.
Rondon, em breve, iria encantar Roosevelt e tornar-se seu grande amigo, como
mandam as boas regras da “pacificação”. Além disto, Roosevelt aprenderia a
respeitar o Brasil e os brasileiros, em grande parte ,devido à pessoa de
Rondon. É’ fascinante, através do livro de Roosevelt “Through the Brazilian
Wilderness” (traduzido com o título “Nas Selvas do Brasil”), que reúne seus
artigos escritos para o New York Times, perceber como, aos poucos, acontece sua
“pacificação”.
Como bom americano, Roosevelt classifica Rondon, no momento que o vê, pela
primeira vez, pelos critérios de raça e religião: “........encontramo-nos com o
Cel Cândido Mariano da Silva Rondon............É’ de sangue índios quase 100% e
positivista”. (1976: 47).
Isto aliado a observações irônicas, sobre os uniformes brancos “flamejantes” de
Rondon e seu estado maior.(Op. Cit:48)
Comunicavam-se em francês, a língua diplomática então usada, embora, o
ex-Presidente reconhecesse, um pouco surpreso, que o francês de Rondon era
melhor do que o seu. Comenta, meses (e páginas) de convívio adiante, já com sua
percepção alterada, a expedição de Rondon de Cuiabá ao Madeira, revelando sua
profunda admiração pelos “oficiais e soldados do Exército brasileiro e os
cientistas que o acompanharam partilharam dos sofrimentos e honras desta
tarefa............................................................................”
Quanto a Rondon, como companheiro de viagem e “causeur” : “as narrativas do
Cel. Rondon pessoalmente feitas a respeito das explorações, das tribos de
índios que visitou , e das maravilhosas coisas que viu, possuem um cunho de
especial encanto. (Op. Cit. 94-95)”
Ainda mais tarde, o elogio superlativo:
“O Coronel Rondon não é simplesmente um oficial e um cavalheiro (xxiii ), no
sentido mais honroso da palavra, comparado aos profissionais de qualquer bom
exército. É, também, um destemido e competente desbravador, um bom naturalista,
um homem de ciência, enfim, estudioso e filósofo” (62).
Rondon ofereceu a Roosevelt os “brindes” apropriados para pacificá-lo: levou-o
para caçar no Pantanal, esporte do qual Roosevelt gostava. Em sua companhia
explorou uma região desconhecida e levantou o curso do Rio da Dúvida, nome
adequado, pois não se sabia onde desaguava. Para fazê-lo, juntos, sedimentaram
a amizade, arriscando a vida e passando por grandes privações. A sedução
continuou quando o governo brasileiro atribuiu a este curso d’água, de 1500 km
de extensão, o nome de “Roosevelt” (xiv ). Um de seus afluentes foi chamado de
“Kermit”, nome do filho de Roosevelt que participou da mesma expedição.
Com a divulgação das opiniões entusiastas de Roosevelt, a fama de Rondon
atingiu uma dimensão internacional, com previsíveis repercussões no Brasil,
aumentando, ainda mais, seu prestígio.
O processo de divulgação das atividades de Missão Rondon e da criação da
Expedição Rondon-Roosevelt seguia um padrão de época que atribuía um especial
peso à oratória em rituais abertos ao público. Despertavam considerável
interesse os julgamentos que contavam com a participação de grandes advogados
criminalistas. Alguns como o de Dilermando de Assis, assassino de Euclides da
Cunha, consistiram nos assuntos de primeira página da imprensa brasileira, por
longos períodos. Assistir a um julgamento célebre era um fato lembrado durante
toda a vida, por todos aqueles que, muitas vezes, após passar uma noite
guardando seu lugar na fila, tinham o privilégio de testemunhar, pessoalmente,
tão dramáticos eventos (xxv ). Os debates no parlamento, os discursos dos
“grandes tribunos” também eram motivo de atenção. O “discurso” em homenagens,
enterros, casamentos e em confraternizações, em geral, ficou muito popular
neste período. (xxvi )
Outros espetáculos de oratória muito prestigiados, no início do século, eram a
“conferência” e o sermão religioso. A conferência poderia ser “philosophica”,
“histórica”, “cientíphica”, etc. (xxvii ). As conferências científicas eram
proferidas por “sábios” ou exploradores. As grandes polêmicas geográficas e
científicas podiam reunir um interessado público em espaços como o da Royal
Geographic Society em Londres ou do Explorers‘ Club de Nova York. A polêmica,
travada em 1864, entre Sir Richard Burton e John Speke sobre as nascentes do
Nilo iria ficar célebre. Todos os grandes exploradores, até o início deste século,
faziam uso intensivo desse meio como forma de divulgação do seu trabalho.
Rondon não fugia à regra. Suas conferências realizadas, nos dias 5, 7 e 9 de
outubro de 1915 no Theatro Phoenix do Rio de Janeiro sobre trabalhos da
Expedição Roosevelt e da Comissão Telegráfica e publicadas em 1916 fizeram
grande sucesso (xxviii ). Essa grande conferência que, chegou a contar com a
novidade da projeção de filmes, iria coroar uma série de palestras que tinha
realizado, anteriormente, principalmente, no meio positivista. Havia, também
conferências de cientistas que participavam da Comissão Rondon, caso da
proferida em 1916, no Museu Nacional, por Alípio Miranda Ribeiro (xix ).
Rondon e sua equipe, iriam usar a fotografia e o cinema intensivamente. Algumas
das fotografias da equipe de Rondon eram notáveis, por sua qualidade. Quanto ao
cinema, a equipe de Rondon iria usá-lo, de forma pioneira, para a época. As
atividades da Comissão Rondon, nesta área, representam um importante e,
possivelmente, desconhecido capítulo da história do cinema nacional. Ao
responsável pelo “Serviço Cinematographico da Commissão Rondon”, Tenente Luis
Thomaz Reis é atribuída por outro membro da Comissão, “a autoria do primeiro
filme nacional tao bem confeccionado quanto os que então nos chegavam do
estrangeiro”, intitulado “De Santa Cruz”. (Botelho de Magalhães, 1941: 390)
(xxx ).
Por esses meios as informações sobre os feitos de Rondon eram divulgadas,
atingindo a imaginação e a emoção do povo.
Assim Rondon fez-se herói.
IV- Da Carreira de Herói
Com o prestígio adquirido, Rondon pode criar, em 1910, o Serviço de Proteção
aos Índios, inicialmente denominado “Serviço de Proteção e Localização dos
Trabalhadores Nacionais”.
Era quase um “Ministério do Sertão”, ao qual eram destinados o controle de uma
enorme faixa do território nacional e a formulação da política para sua
ocupação e desenvolvimento. Atribuições análogas, tempos depois, só teria o
“Ministério do Interior”. Estavam, inicialmente vinculadas ao órgão
recém-criado atividades tão amplas como as políticas indigenista, de
colonização e, em certa medida, reforma agrária, além da vigilância de
fronteiras (xxi ). Cedo, entretanto, teria essas funções reduzidas às
atividades específicas do “serviço de índios”.
O primeiro efeito político da promoção de Rondon a herói foi, portanto, a
repetição do muito brasileiro costume de entregar-lhe um órgão público que se
tornaria, na mais completa fórmula patrimonialista, sua área de atuação, pelo
resto da vida. Mais tarde, complementando-o seria criado o Conselho Nacional de
Proteção aos Índios (CNPI), com a função de formular as políticas a serem
executadas pelo SPI.
Em 1924, Rondon iria comandar as tropas governamentais na luta contra a coluna
de Isidoro Dias Lopes. Tomando a cidade de Catanduva forçou os revolucionários
a se internar no Paraguai. A designação de Rondon, para o comando das forças
governamentais foi uma clara forma de manipulação de seu prestígio. Se, de um
lado, os revolucionários traziam uma forte mensagem, com seu apelo moralista à
renovação nacional, de outro, as tropas do governo estavam sob o comando do
General Rondon, o herói da conquista do Oeste e da Amazônia.
De 1927 a 1930, Rondon é designado “Inspetor de Fronteiras”, quando percorreu
toda a linha brasileira de limites. Foi uma espécie de prêmio, de “passeio”,
quando viajou com seus amigos, com todo o apoio e estrutura disponíveis,
reavivando marcos de fronteira, levantando a situação dos índios e intervindo
em seu favor.
A inspeção de fronteiras funcionou como uma espécie de ritual de coroamento de
sua vida no campo – a primeira expedição com este fim, realizada no limite com
a Guiana Francesa, aconteceu quando já tinha idade de 62 anos. A viagem às
fronteiras pode ser lida pela metáfora do “abraço” ao País, gesto de amor e da
posse.
Não tendo aderido à revolução 30, foi alvo de acusações diversas de desmandos
administrativos e financeiros, especialmente da parte de seu antigo desafeto,
Juarez Távora, um dos líderes de 30 (xxxii ). Nada tendo sido provado. Juarez
acabou se retratando publicamente em artigo de jornal.
Getúlio Vargas, em 1934, iria solicitar seu concurso na questão territorial
entre Colômbia e o Peru envolvendo a cidade de Letícia e a região ao seu redor.
Rondon permaneceu, de 1934 a 1938, como mediador no local , tendo obtido a paz
através de um acordo aceito, sem maiores problemas, pelas duas partes. Seu
conhecimento de cartografia, localização de coordenadas e acidentes geográficos
foi essencial, nesta oportunidade. Seu prestígio internacional e habilidade diplomática
foram decisivos para o sucesso do entendimento.
Retornando ao Brasil, foi recebido por multidões entusiásticas, em todas as
cidades em que aportava seu navio (Coutinho, 143). Chegando ao Rio de Janeiro
foi saudado pelo Presidente da República, pelos embaixadores dos dois países em
disputa e, mais uma vez, por uma emocionada multidão que enche o centro da
cidade do Rio de Janeiro. Villa Lobos regeu um coro de mais de 300 vozes, que
cantou o Hino da Independência e dois hinos de sua autoria: o dos Heróis do
Brasil e “Pareci Nozini-Ná”, inspirado nos registros etnográficos de Rondon
(xxxiii ).
Até os anos 30 a divulgação das atividades de Rondon e do grupo que o
acompanhava era realizada, em um primeiro momento, pela própria Comissão Rondon
e pelo SPI, através de conferências, fotografias e filmes. Chegando aos jornais
as informações eram reproduzidas para um público maior.
Após sua sagração definitiva como herói nacional, toda cidade brasileira passou
a contar com a “Avenida Marechal Rondon”. Pelo País inteiro surgiram grupos
escoteiros com o seu nome. Nesse período, que se inicia com volta ao Brasil,
após missão em Letícia, foram escritas dezenas de obras de amigos,
colaboradores e admiradores sobre sua vida.
Todas essas publicações discorrem sobre os “feitos” de Rondon, de sua
honestidade, de sua força moral, de sua resistência física, de sua capacidade
de organização e liderança, de sua coragem, de sua bondade com os índios, de
sua capacidade de se sacrificar, de seu amor pelo Brasil e pela humanidade. A
estrutura típica dos textos sobre “a vida e a obra” de Rondon é a de apresentar
casos, em ordem cronológica que ilustram essas qualidades. Desde o seu
nascimento, até o momento de sua morte.É a clássica estrutura ocidental de
relatos biográficos de heróis e dos santos. A construção da imagem de Rondon
foi analisada por Lima (1991) em seu artigo “O Santo Soldado”, quando discutiu
o livro de Ester Viveiros “Rondon conta sua vida”. Lima levanta a hipótese de
que o objetivo de Viveiros seria o de criar um “santo positivista”, seita que
tanto ela como Rondon professavam.(xxxiv )
Há o ocultamento ou a minimização de certos acontecimentos de sua vida e
métodos que adotava, incompatíveis com a coerência do mito como um todo. São
três aspectos, em especial: sua participação na sangrenta campanha militar de
24, os métodos que utilizava para a manter a disciplina e os efeitos de sua
atuação sobre os índios.
Neste último caso, a questão foi muito discutida por antropólogos e o próprio
Rondon, ao final de sua vida, iria, em cartas aos irmãos Villas-Boas,
lamentar-se do fracasso da perspectiva integracionista no trato com os índios.
Reconheceu que teria sido melhor deixá-los isolados em suas terras de origem,
com o mínimo contato com os brancos.
Quanto à sua participação na campanha de 24, o assunto é simplesmente ignorado
em alguns livros (ver Martins, p. ex.) e, em outros, entendido como um
sacrifício de Rondon, que contradizendo seus ideais pacifistas foi obrigado,
para cumprir o dever, a enfrentar irmãos brasileiros no campo de batalha.
O terceiro aspecto é o do uso da violência física para disciplinar seus
soldados no sertão (xxxv ), prática mais ou menos comum nas forças armadas no
século passado e corriqueira na Marinha de Guerra brasileira, onde só iria acabar
com a “revolta dos marinheiros”, liderada pelo cabo João Cândido.
O uso das punições corporais (“método do Conde de Lippe”, como dizia), após uma
revolta de soldados, iria render um processo a Rondon, que o levou ao Conselho
de Guerra, em 1894, onde foi absolvido. O que todos (com uma exceção) os
relatos omitem, inclusive o do próprio Rondon (in Viveiros, 111), foi a morte
de um soldado devido aos castigos corporais aplicados. O único texto que
descreve o assunto, com todos os detalhes, é o do amigo de Rondon e segundo no
comando, Cel. Botelho de Magalhães. (xxxvi )
A justificativa apresentada para o castigo físico é de ordem disciplinar. A
motivação é o cumprimento do dever. Não haveria outro jeito: se não fosse
feito, não existiria exploração do sertão. Rondon confessa o “seu sofrimento”
(in Viveiros, 111) em ser obrigado a usar esses métodos. Seus biógrafos alegam
que a maioria dos soldados sob seu comando, eram marginais e criminosos que,
por castigo, saiam diretamente do xadrez para o sertão (xxxvii ).
A imagem de Rondon não fica, assim, tão prejudicada sob a ótica de uma
sociedade onde é corriqueiro o uso da violência disciplinadora. Santiago, o
“Mata-moros”, de novo, é um bom exemplo, quando é retratado, em várias imagens
espanholas, pisando, com o seu cavalo, as cabeças cortadas dos mouros. A
aureola de pacifismo e bondade fica, não obstante, obscurecida em Rondon,
quando é lembrado este episódio.
A posição de herói, porém, não foi questionada, por seus contemporâneos pois, a
dureza dos heróis é entendida, no pensamento ocidental, como uma dimensão da
sua coragem (xxxviii ).
V- Rondon, Emoções, Antropologia
A proposta deste artigo é a de contribuir para a discussão metodológica
corrente nas Ciências Sociais. Os seguintes aspectos foram levantados: a
indeterminação na explicação, o papel do indivíduo na mudança cultural e o
papel da emoção como objeto e explicação nas Ciências Sociais.
Acreditamos ter ficado suficientemente claro que a pessoa de Rondon tornou-se
uma referência fundamental no processo de mudança de ocupação de espaços
geográficos desconhecidos no interior do Brasil e para o relacionamento com os
índios. Não há, porém, resposta para pergunta: “Haveria outro Rondon?”
A resposta poderia ser afirmativa, mas, talvez, o aparecimento de um novo
Rondon, ou de alguém que desempenhasse papel análogo, levasse algumas décadas.
Talvez, simplesmente, não ocorresse. No que concerne à política indigenista,
poderia ter surgido um “falcão” que, seguindo as posições evolucionistas e
recomendações de Von Inhering, diretor do Museu Paulista, desse seguimento à
política de assassinatos em massa dos índios brasileiros.
Não se pode adivinhar o que aconteceria, caso Rondon não existisse, no lugar
certo, no tempo certo. Pode-se, entretanto, afirmar que a pessoa de Rondon foi
decisiva, para a ocupação dos territórios e para uma forma de relacionamento
com os indígenas que excluía a violência física, mesmo que posteriormente, os
postos implantados pelo SPI fracassassem no que se convencionou chamar de “atividades
de assistência”.
O abandono do uso da violência no relacionamento com os índios, onde Rondon
“virou o jogo”, fez uma grande diferença. Não reconhece-lo, é o mesmo que, a
partir de categorias abstratas - da “grande teoria” - ignorar a diferença entre
a extinção violenta de populações, de um lado, e penúria, exploração e carência
cultural, de outro. É equalizar pobreza e “limpeza étnica”. Embora a pobreza
seja uma terrível forma de brutalidade, é absurdo que seja colocada na mesma
classe sociológica e moral da violência física direta contra uma pessoa ou um
povo.
Por esta e outras razões, o trabalho de campo continua essencial, para que os
antropólogos continuem a conhecer gente de verdade, índios e brancos de carne e
osso e, não se sintam à vontade para substituí-los por abstratas categorias
sociológicas. Conhecendo as pessoas pelo nome e lembrando-se de seu rosto,
dificilmente um antropólogo situaria a pobreza e a exploração na mesma
categoria analítica do assassinato e do holocausto.
Quanto à questão da emoção: Rondon tocou o coração de seus contemporâneos, ao
reafirmar, por suas ações, determinados princípios da identidade brasileira.
Esses princípios seriam o da posse do território sagrado e autônomo da “Ilha
Brasil” e o da convivência harmoniosa de diferentes raças, levando à
miscigenação. Tudo sob a égide da suposta bondade do povo brasileiro. Rondon
traduziu esses princípios permanentes da identidade brasileira ao novo ambiente
republicano da ‘Belle Époque ".
A capacidade de emocionar seus contemporâneos, pela divulgação dos feitos da
Comissão que levou o seu nome, transformou Rondon em herói nacional. Um passo
importante nesta direção foi o reconhecimento internacional, obtido, dentre
outras maneiras, pelo enorme respeito, admiração e amizade que iria despertar
em Theodore Roosevelt. O uso dos meios mais modernos de comunicação como o
cinema e a fotografia demonstram o quanto Rondon e seus seguidores estavam a
par da importância do apoio do público para a continuidade de seu trabalho.
Além disto, a exploração geográfica era um empreendimento romântico, bem de
acordo com o espírito dos tempos do final do século passado. Era um grande
espetáculo científico. Como a exploração espacial, atualmente.
A capacidade de emocionar seus contemporâneos iria se transformar em poder e
produzir as condições para a criação do SPI. Não se pode subestimar a
importância política da FUNAI, mesmo hoje em dia, em regiões onde a população
indígena é numericamente expressiva. Assim, Rondon acumulou muito poder uma vez
que, no início do século, as populações indígenas pesavam na demografia de
estados do Centro-Oeste e da Amazônia brasileira. Além do mais, enormes
extensões do País ficavam sob seu controle. Era um virtual vice-reinado.
O SPI chamava-se, em seu início, “Serviço de Proteção aos Índios e Localização
de Trabalhadores Nacionais”, o que implicava uma proposta de políticas
integradas: indigenista; de colonização; e de reforma agrária. A situação dos
povos indígenas era percebida, em conjunto, com a dos “outros brasileiros”.
Havia, o que se convencionou, mais tarde, chamar de “visão de totalidade”,
muito mais abrangente do que a envolvendo apenas os índios e a frente pioneira
contígua.
A proposta e o papel desempenhados por Rondon merecem, também, ser
problematizados frente aos nossos valores e sentimentos de cientistas sociais e
cidadãos do final do século que Rondon viria a inaugurar.
É consensual, para os antropólogos de hoje, que os territórios indígenas devam
ser preservados, a todo custo, e os próprios índios, conscientes de seus
direitos, devem estar aptos a por eles lutar, e a sobreviver com dignidade,
enquanto indivíduos e enquanto grupos humanos dotados de identidades étnicas
particulares. É freqüente, entretanto, o ponto de vista de que o compromisso
político do antropólogo se esgota no apoio à causa indígena. Esta idéia é,
muitas vezes, associada à indiscriminada repulsa aos brasileiros e ao Brasil,
nação, por muitos, considerada inimiga das populações indígenas, pois são
brasileiros os que invadem as terras indígenas, transmitem-lhe doenças e
exploram o seu trabalho.
Se os que defendem essas posições pretendem apoiar as populações indígenas,
também, podem prejudicá-las, na medida em que passam a ser vistas como enclaves
antinacionais (xxxix ) e um risco para a integridade do País.
A conseqüência de se considerar o indígena como não brasileiro, como membro de
outra nação - de “nações dentro da nação” , como definiu Ramos (Op.Cit) - tem
sido a defesa por militares, e por muitos outros, da invasão de suas terras por
massas de garimpeiros e colonos miseráveis, para assim, supostamente, garantir
sua posse para o Brasil, frente à permanente ameaça, real ou imaginária, dos
Estados Unidos.
A proposta de exclusão recíproca entre etnias diversas é decorrente da aplicação,
fora de contexto, do modelo de organização política anglo-saxã derivado da
premissa da exclusão. Traduzida para a Antropologia, tal premissa se revela no
uso acrítico do conceito de etnicidade. Pode representar, dependendo do
contexto, mais um fator no agravamento das terríveis pressões exercidas,
especialmente, sobre os que têm acentuada sua diferença: os mais indefesos dos
indefesos - os grupos indígenas isolados.
Prejudica também o Brasil, em um momento em que para alguns, como Celso Furtado
(1993), sua continuidade enquanto nação está ameaçada. É um grande equívoco
identificar “o brasileiro”, genérico, e os brasileiros pobres, não índios, como
os inimigos dos brasileiros índios. Todos sabemos quem são os inimigos comuns
dos índios e dos pobres, os algozes e as vítimas.
A proposta de Rondon era a oposta, a de “nacionalizar” os índios. Chegou a
sustentar que o índio era “o defensor natural das nossas fronteiras”. Seu
nacionalismo, hoje, ingênuo e militarista - mas um produto típico de sua época
– podia, não obstante, representar a diferença entre a vida e a extinção de
tribos inteiras. Rondon mostrava aos seus contemporâneos que os índios são a
própria essência do Brasil e que, portanto, suas terras e suas vidas deveriam
ser protegidas. Agregava-os à simbólica “comunhão nacional”.
Rejeitar Rondon, por não corresponder às expectativas dos anos atuais, é
rejeitar um herói, um símbolo nacional, como a bandeira brasileira, por um
tempo, associada à ditadura. A esquerda brasileira iria se arrepender amargamente
desse erro, quando o povo nas ruas a tomou das mãos dos militares, durante as
manifestações pelas “diretas já”.
Julgar a Rondon, e aos seus correligionários, com a arrogância dos que supõe
deter a verdade é ignorar que os cientistas sociais, somos, antes de tudo,
criadores de mitos. A relativização do conhecimento deve se iniciar por aquele
que nós mesmos produzimos. A reflexividade é o primeiro passo para um
relativismo autêntico.
A questão é a de como fazer, para os dias de hoje, o que Rondon fez para o seu
tempo. De alterar a perspectiva tradicional católica e latina da inclusão
hierárquica, sem tentar, como se vem fazendo, sua substituição pela ótica da
exclusão. Para traçar este caminho, talvez, possamos cunhar o conceito de
“inclusão equilibrada” (simétrica) implicando identidade étnica particular,
autonomia política local, posse da território tradicional, participação no
mercado nacional e condições gerais de bem estar.
A posição de Rondon ao propor uma política integrada para índios e “trabalhadores
nacionais” manifestava, também, uma acentuada preocupação com a sorte dos
brasileiros pobres. A mesma, de seu colega Euclides da Cunha. Da solução de
seus problemas depende hoje, ainda, a sorte dos índios, pois a pressão sobre as
terras indígenas só diminuirá com normalização da situação do campo brasileiro.
A paz no campo só poderá ser obtida por uma reforma agrária digna desse nome.
De outro lado, o acesso à terra pelas populações indígenas introduz no ambiente
brasileiro um modelo alternativo que desafia a grande propriedade rural, o que
é bom para o Brasil e melhor, ainda, para os “trabalhadores nacionais”.
Mas, a questão fundiária não esgota essa discussão. O bem estar dos índios no
Brasil passa pela mais ampla participação política democrática de todos os
brasileiros. Quando Eduardo Galvão afirmava que: “o problema do índio só será
resolvido quando for resolvido o do caboclo”, não se referia, apenas, à questão
fundiária. Repetia, com outras palavras, de antropólogo indigenista, os mesmos
anseios de Rondon, de se viver em um mundo mais fraterno.
Não há nenhuma razão moral para se defender uma vida digna, exclusivamente,
para uma parcela da população definida por critérios étnicos. Todos os
brasileiros e todos os seres humanos devem ter esses direitos garantidos. Onde
a especificidade da situação indígena se torna aparente é, de além desses
direitos, fazerem os índios jus às suas formas políticas, jurídicas e
religiosas particulares, a uma identidade cultural alterna, como certa vez
descreveu Miguel Bartolomé. A identidade étnica não pode ser fetichisada, mas,
ao contrário, assegurada e respeitada como todas as outras formas de
identidade, dos grupos assim denominados de “minoritários”.
Rondon, hoje, faria seus esses valores, para, com honra, servir à pátria, à
pátria grande latino-americana e à humanidade.
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1998- “A fabricação do Carisma: a construção mítico-heróica na memória
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de Imaginários . Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS.
Furtado, Celso
1992 - Brasil: A Construção Interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Gagliardi, José Mauro
1989- O Indígena e a República. São Paulo: Hucitec/EDUSP
Laraia, Roque de Barros
1995- “Guerra e Paz, dilema do governo dos índios”. Ciência Hoje, vol. 21, n.
125.
Latour, Bruno
1988 - Microbes: The pasteurization of France. Cambridge, Mass: Harvard
University Press.
Lima, Antônio Carlos de Souza
1990- “O Santo Soldado”. Comunicação No. 28, Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social. Rio de Janeiro: Museu Nacional
1995- Um Grande Cerco de Paz. Rio de Janeiro: Editora Vozes
Magnoli, Demétrio
1997- O Corpo da Pátria. São Paulo: Editora UNESP/Moderna
Martins, Demósthenes
1980- Marechal Rondon: Conferência Proferida na Academia Mato-Grossense de
Letras em 5 de Maio de 1963. Cuiabá: TELEMAT
Meirelles, Domingos
1995- A Noite das Grandes Fogueiras. Rio de Janeiro: Editora Record
Miranda Ribeiro, Alípio
1945 - A Comissão Rondon e o Museu Nacional : conferências realizadas pelo
Professor Alipio de Miranda Ribeiro, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em
1916. Rio de Janeiro : Ministério da Agricultura, Conselho Nacional de Proteção
aos Índios.
Ramos, Alcida
1996- “Nações Dentro da Nação: um desencontro de Ideologias”. In Zarur, G., ed.
Etnia e Nação na América Latina. Washington: OEA.
Ribeiro, Darcy
1995- O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras
Rondon, Cândido Mariano da Silva
1916- Conferencias realizadas nos dias 5, 7 e 9 de outubro de 1915 pelo Sr.
Coronel Candido Mariano da Silva Rondon no Theatro Phenix do Rio de Janeiro
sobre trabalhos da Expedição Roosevelt e da Commissão Telegraphica. Rio de
Janeiro : Typ. do "Jornal do Commercio" .
Roosevelt, Theodore
1976- Nas Selvas do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia
Viveiros, Esther de
1958- Rondon Conta Sua Vida. Rio de Janeiro: Livraria São José.
Zarur, George de Cerqueira Leite
1984: Os Pescadores do Golfo. Rio de janeiro: Achiamé
1994- A Arena Científica. Campinas: Autores Associados
1996- “A Idéia de Brasil” in Zarur, G. ,ed. Etnia e Nação na América Latina.
Washington: OEA
No prelo: “O Ethos da Elite” in Zarur, G., ed. Região e Nação na América
Latina.
NOTAS
[i] No campo da Sociologia da Ciência, que tenho acompanhado de perto, a
questão da biografia como método tem sido ressuscitada, a partir da construção,
não só de fatos científicos, como também da própria história de vida dos
cientistas, em certa medida, enquanto texto. É o caso de Bruno Latour em seu
estudo sobre Pasteur. A análise que pretendemos realizar de Rondon, é muita
mais ampla, escapando do fechado meio científico do objeto.
[ii] Meus agradecimentos a Sandra Zarur, que fez a primeira e mais difícil
revisão deste texto. A Alcida Ramos que indicou e emprestou livros e outros
trabalhos sobre a Política Indigenista no início de século e a Paulo Sena
Martins que indicou e emprestou o livros sobre a vida de Rondon, destacando-se
o de autoria de seu avô, Demosthenes Martins, amigo de Rondon.
[iii] “Nos últimos séculos, porém, índios de fala tupi, bons guerreiros se
instalaram, dominadores, na imensidade da área, tanto à beira mar, ao longo de
toda a costa atlântica e pelo Amazonas acima, como subindo pelos rios
principais, como o Paraguai, o Guaporé, o Tapajós, até suas nascentes.
Configuram, desse modo, a ilha Brasil, de que falava o velho Jaime Cortesão,
prefigurando, no chão da América do Sul, o que viria a ser nosso país (1995:29)
[iv] Como veremos adiante, com maior detalhe, em 1913, Theodore Roosevelt, o
ex-presidente responsável pelo Canal do Panamá, realizaria uma expedição
desportiva e científica à Amazônia brasileira. Uma das missões de Rondon foi a
de acompanhá-lo nesta viagem.
[v] A premissa da inclusão faz-se presente em diferentes rituais brasileiros.
Um bom exemplo é o do belíssimo ritual das cavalhadas de Pirinópolis, em Goiás.
A reprodução da guerra ibérica entre mouros e cristãos sempre se encerra com a
derrota dos mouros e sua submissão, isto é, sua inclusão na hierarquia. O rei
cristão a aceita desde que o mouro se converta ao cristianismo e “pague um
pequeno tributo”. O ritual é aberto com a reprodução de uma ordem social
multi-étnica . Crianças brancas cantam canções de origem portuguesa, negros
cantam e dançam a congada e crianças índias cantam e dançam canções
supostamente indígena .
[vi] Em seu depoimento a Ester Viveiros Rondon diz Rondon:
“Portugal pobre de gente e de recursos para obra de tal vulto, não poderia por
si só, conquistar e ser o fundamento de nossa nacionalidade.
Foram índias as principais formadoras da nacionalidade pois eram, em grande
parte as mulheres que encontravam os colonizadores.
Foram índios os principais construtores dos núcleos urbanos......”
[vii] Posteriormente, em cartas aos irmãos Villas-Bôas, Rondon iria fazer sua
autocrítica e reconhecer que os índios deveriam permanecer protegidos e até
isolados, na medida do possível, como no Parque do Xingu.
[viii] Há dois livros sobre a política indigenista brasileira e criação do SPI
(Lima, 1995 e Gagliardi, 1989). São duas teses de doutorado, trazendo em grau
maior ou menor os problemas com as limitações inerentes a este tipo de obra.
[ix] Lima(1995) mostra várias correspondências práticas entre as missões
religiosas e a novo indigenismo republicano.
[x] Só analistas sem experiência de campo com a situação das missões religiosas
tradicionais, pré-Vaticano II são incapazes de perceber a diferença radical
entre a catequese tradicional e os frouxos rituais cívicos do indigenismo de
Rondon. É óbvia, a diferença entre os postos indígenas da FUNAI, por pior que
estejam, frente à pesada estrutura física, política e simbólica das missões
religiosas tradicionais A política indigenista de origem católica recente,
inovadora, parte da crítica às missões tradicionais e do respeito às religiões
indígenas.
[xi] Não tomou também, a feição violenta e dramática que o anti-clericalismo
assumiria no México, por exemplo.
[xii] Por ele o estado mantinha a igreja e ordens religiosas. Pagava um
estipêndio para cada religioso e, por outro lado tinha o direito de criar
paróquias e propor a nomeação de bispos e outras autoridades religiosas.
[xiii] Uma interessante análise de um herói regional, líder político da
Primeira República é a de Borges de Medeiros por Félix (in Félix e Elmir,orgs,
1988).
[xiv] “Deconstruir” , em uma ultra-simplificação dos pós-modernistas franceses
e, talvez, em uma versão mal feita do conceito para as Ciências Sociais, tem se
tornado, com freqüência, sinônimo de “desmascarar”. Vêm à memória antigas
questões como a denúncia por Sartre, em “Questão de Método” do “Marxismo
Maquiavélico” que tudo explicava como conseqüência das maquinações deliberadas
dos representantes das classes dominantes.
[xv] Esta projeção melhor toma a forma de uma combinação. Não implica no
abandono da idéia de “pátria”.
[xvi] Não poderia haver nada mais frustrador do que uma vida de militar sem a
ação correspondente, principalmente no ambiente ultra romântico do começo do
século. Ainda hoje, os velhos militares, combatentes em algum momento de suas
vidas, se sentem orgulhosos e realizados por este motivo. Este é um problema
real: o dos militares em busca de uma guerra e talvez, criando-as
desnessariamente.
[xvii] Euclides que, chegando de um longo período na Amazônia morre ao tentar
lavar sua honra, atirando em Dilermando de Assis, amante de sua esposa Ana.
Posteriormente um de seus filhos também morreria, para novamente, em nome da
honra, para vingar a morte do pai, tentando matar Dilermando de Assis.
[xviii] Havia um sistema de “menções” na Escola Militar. Os engenheiros
militares tinham que receber a menção “plenamente”. Já os demais poderiam ser
aprovados só alguns “simplesmente” (ver a respeito, Edilberto Coutinho, 1969)
[xix] As mesmas preocupações com o destino do povo brasileiro presentes em Os
Sertões, tem uma resposta diferente em Prestes, ao liderar sua coluna e mais
tarde, liderar o Partido Comunista Brasileiro.
[xx] Para uma cronologia da “trajetória” de Rondon ver Lima (1990) e Coutinho
(1969), dentre muitos outros.
[xxi] Rondon aprovava:
“As mulheres dos soldados que haviam preferido arrostar as 130 léguas que
separam Goiás de Cuiabá a ficar, por tempo indeterminado, separadas de seus
maridos, longe de pesarem à Comissão, foram útil elemento, facilitando a
alimentação dos praças na dura travessia do extenso sertão de Leste. Eram elas
que preparavam as matulas com os gêneros fornecidos pela comissão e que, com
sua presença, concorriam para manter alto o moral e a disciplina do
contigente.” (Rondon in Viveiros, 124)
A prática consta da história da Guerra do Paraguai. O último relato conhecido
sobre mulheres acompanhando um deslocamento vem da Coluna Prestes, contra a
vontade deste, já formado em uma tradição militar diferente. Elas chegaram, em
alguns momentos, segundo Prestes, a pegar em armas durante os combates (ver
Meirelles, 1995)
[xxii] A guerra e o esporte estão nesta última família de espetáculos.
[xxiii] “ an officer and a gentleman”.
[xxiv] Nessa jornada, Kermit, o filho de Roosevelt quase morre afogado, o que
acontece com o piloto da embarcação em que viajava, tentando salvá-lo.
Roosevelt vê-se com febre e sugere que seja abandonado, para não atrasar a
marcha. Recupera-se. A exploração do Rio da Dúvida não foi, exatamente, um
passeio turístico.
[xxv] Informação obtida a partir de relatos de pessoas que viveram sua
juventude no Rio de Janeiro do início do século.
[xxvi] . Esses espetáculos voltam, hoje, a atrair um crescente público, na
medida em que a televisão por assinatura, dedica canais especializados à
cobertura do tribunal do júri e ao debate parlamentar.
[xxvii] São comuns as referências aos conferencistas profissionais brasileiros
do início do século, que após se apresentarem em alguma associação, corriam uma
bandeira nacional junto ao público, para nela, receber uma “contribuição
financeira.”
[xxviii] Ver Rondon, 1916.
[xxix] Ver Miranda Ribeiro, 1916.
[xxx] Transcrevemos, a seguir trecho do Capítulo “A Photographia e a
Cinematographia no Sertão- rapidas notas sobre a expedição Ronuro – Curisevu,
in Botelho de Magalhães, 1941 (372-376), com o depoimento do Tenente Luis
Thomaz Reis, criador do Serviço Cinematográfico da Comissão Rondon:
“O serviço cinematographico da Commissão Rondon foi creado em 1912, depois de
alguns insucessos de outros operadores que, pela primeira vez, empregaram a
cinematographia no sertão, durante as explorações realizadas pelo General
Rondon de 1907 a 1910. Não tendo sido bem succedidas as provas entregues aos
cuidados da Casa Musso, do Rio de Janeiro, o Sr. General Rondon desejava,
entretanto, obter vistas cinematographicas da obra que se continuava: a linha
telegraphica de Cuyabá ao Madeira.
Um dia me apresentei ao então Coronel Rondon e me propuz a adquirir o material
necessario á creação do nosso serviço, que eu me comprometia a executar. Com
dez contos de réis (fôra o máximo que o Coronel Rondon pudera separar da verba:
‘material’), embarquei para a Europa, onde comprei, em Londres e Paris, o
material indispensavel naquelle tempo o mais perfeito, e segui para o sertão
com sete mil metros de films da marca ‘Lumière, tropical’, material que não
existia no Rio.
Depois de seis mêses de serviço, sob minha observação pessoal, pois que era a
primeira vez que fazia isso no sertão, tendo por felicidade estudado a
‘emulsão’ e o tempo de sua efficiencia em zonas quentes e humidas, o que me
levou a preparar apparelhos de madeira especiaes, para revelar os films no local,
foi então obtido com vantagem o film conhecido por ‘Os Sertões de
Matto-Grosso’, exhibido em 1915, no Rio de Janeiro e depois, em todo o Brasil.
Em 1913 chegava ao Rio a Expedição Roosevelt, tendo eu recebido ordens de
acompanhal-a para obter um film de viagem incompleto, por diversas
circumstancias, esse film não teve a felicidade do primeiro, devido á pressa da
viagem. No entanto, foi publicado com o titulo: ‘Expedição Roosevelt’ e
exhibido tambem em 1915, durante as conferencias do Cel. Rondon no Teatro
Phenix. ...................................................................Foi
então que tive a incumbencia de tomar o film do São Lourenço, com os rituaes
Borôros, depois o Pantanal, com caçadas de onças e os ‘Saltos Iguassú’ , tendo
tudo constituido oum longo programma com o titulo: ‘De Santa Cruz’, o melhor
filme da Commissão, na opinião da imprensa que se occupa de films. Muito
conhecido, pois que teve a honra de ser passado no Carneggie Hall, de New york
,durante as conferencias de Roosevelt, em 1918, nos cinemas de Nova York e aqui
no Brasil, constitue documento que faz honra á Commissão Rondon.”
O oficial Reis iria, posteriormente, produzir um grande número de filmes,
inclusive um retratando os combates de 1924, quando Rondon chefiou as tropas
governamentais no Paraná.
[xxxi] Sobre a História do SPILTN e do SPI ver Gagliardi, 1989 e Lima, 1995.
[xxxii] Távora, em 1955, foi candidato à Presidência da República pelas forças
mais conservadoras reunidas na antiga UDN. O vencedor da eleição foi Juscelino
Kubitschek.
[xxxiii] Tivemos a oportunidade, quando criança, com sete ou oito anos de
idade, de conhecer o então Marechal Rondon, nos começos dos anos 50.
Lembramo-nos da emoção de nosso pai, Geógrafo Jorge Zarur, ao apresentar-nos
àquele “grande brasileiro”, velho e cego, porém, ainda marcial, com a cabeça
erguida e ereto, enquanto tomava sol, sentado, no jardim de uma casa do bairro
da Gávea, no Rio de Janeiro.
[xxxiv] Seria mais adequado um paralelo com “santos guerreiros nacionais”, como
Santiago ou Santa Joana D’Arc.
[xxxv] ponto muito enfatizado por Lima (1990 e 1995
[xxxvi] Inicia a descrição do caso com uma justificativa:
“A vida de acampamento, em barracas e ranchos provisórios, sem xadrezes, sem
células, sem o apoio provável de uma outra força que pudesse em qualquer
emergência acudir em tempo para dominar algum levante; eram condicionais que
justificavam as medidas de exceção adotadas pelo chefe intransigente e ávido de
trabalho.” (Magalhães, 1942, 198).
Descreve, em seguida a revolta. Os soldados, bêbados, haviam tomado conta do
acampamento e forçado os oficiais a se esconderem no mato.
Rondon “.....sozinho, armado apenas de sua força moral e entrou no acampamento
onde campeavam infrenes a mais impudica desordem e a tremenda algazarra provocada
pela embriaguêz e pela indisciplina” .
Rondon controla a revolta, com a força, apenas, de sua autoridade e “os cabeças
do motim, foram estes surrados à vara deante do resto da tropa.” (Magalhães,
op. Cit., 198).
Naquela ocasião morreu “um dos chefes da revolta, ferido pela ponta da vara que
se partira e de cujo ferimento resultou a peritonite que o vitimou” (Magalhães,
op. Cit. , 198).
[xxxvii] Ver Coutinho (op. Cit. ) e Martins (op. cit )
[xxxviii] Um caso extremo é o de Agamenon que sacrifica sua filha Efigenia para
que a peste acabasse, os ventos ficassem favoráveis e a frota grega pudesse
zarpar para Tróia.
[xxxix] Ver o excelente artigo de Alcida Ramos “Nações dentro da Nação: um
desencontro de ideologias(in Zarur, 1996).
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