PATRIMÔNIO CULTURAL: REVITALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO

 

PATRIMÔNIO CULTURAL:  REVITALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO

 

Fábio José Garcia dos Reis

 

Pretende-se com este texto discutir a importância do patrimônio como expressão de cultura e de identidade. O conhecimento e a valorização dos bens culturais contribuem com  o despertar da cidadania e com  a noção de que expressam  a história e a tradição local e regional, por isso, acredito que o patrimônio aguça o sentimento de pertencimento. Sua revitalização é uma alternativa para o desenvolvimento que viabiliza a inserção social da comunidade. Representa, ainda, um caminho para a dinamização  do turismo.  O texto foi construído a partir de reflexões que pretendem expor o valor do patrimônio  como um dos alicerces do desenvolvimento da sociedade.

 

 

PATRIMÔNIO E TENDÊNCIAS

 

 

Vivemos em uma sociedade de avanços tecnológicos, de facilidade de comunicação e de deslocamento de pessoas,  de integração econômica, política e cultural, em que a globalização tornou-se algo comum em nossas vidas. O ambiente de nosso cotidiano está cada vez mais padronizado. É por isso que as diferenças e as diversidades culturais encontram espaço na sociedade do século XXI.

Estamos redescobrindo o local em contraposição ao global, as manifestações culturais, as tradições e as peculiaridades. Estamos (re)apreendendo a olhar para o patrimônio como um bem que representa identidade e que exterioriza o valor de uma cultura, de algo que pode ser  a expressão de uma conjuntura histórica, a leitura de uma concepção social ou  a manifestação de uma tradição. É  justamente na exaltação no novo, na busca frenética da adequação às tendências que reside a preocupação como o patrimônio, ou seja,  a  valorização de bens que representam referências culturais ou naturais que simbolizam a diferença e a diversidade, diante de um mundo em que parâmetros globais são referências de vida.

A revitalização do patrimônio significa a ressignificação das  manifestações culturais,  tornando-a viva, ao  ganhar  sentido para as pessoas e, especialmente,  ao aguçar a identidade. O patrimônio pode ser definido como bem cultural, tangível ou intangível, que desperta o sentimento de valor e identidade e que expressa a própria cultura. O homem, ao construir um monumento ou um sobrado está manifestando sua cultura através do estilo arquitetônico da obra. Podemos considerar em nossas discussões sobre patrimônio de uma comunidade as festas e danças, pois são bens intangíveis, resultados da expressão cultural.

O crescimento desordenado das cidades, a especulação imobiliária, as mudanças dos comportamentos, os novos valores e estilos de vida podem gerar  impactos irreversíveis nos patrimônios, pois são fatores resultantes da vida capitalista da sociedade globalizada. Por outro lado, a revitalização é o movimento contrário, pois indica a retomada das discussões sobre preservação, conservação e restauração do patrimônio e, essencialmente, a preocupação com espaços e manifestações que permitem o olhar, a convivência, o conhecimento e a interação com valores, histórias, símbolos e manifestações. Considero que o homem do século XXI busca o conforto da tecnologia e reconhece, cada vez mais, a necessidade de manutenção do patrimônio como elemento de identidade, de herança cultural, de referência sobre um passado que precisa estar vivo,  para servir de equilíbrio perante a vida moderna.

 

 

PATRIMÔNIO E CIDADES

 

 

As cidades precisam oferecer para seus  cidadãos espaços de convivência, de lazer, de integração e de cultura, para que homens e mulheres possam exercer o direito de uso coletivo, de “estar na rua ou no parque com a família”, da (re)valorização das relações humanas, enfim, a cidade deve ter em seus espaços  lugares que oferecem qualidade de vida. Os cidadãos identificam-se com lugares, na medida que reconhecem sua importância, que  assumem a condição de espaços de uso coletivo e que representem a identidade local ou global.

Margarita Barreto discute as transgressões dos espaços públicos, o mau trato dos lugares, a privatização das ruas, a insegurança urbana, geralmente impulsionada pelo aumento dos índices  de violência e o desprezo do poder público e privado em relação ao patrimônio. O desejo da convivência cultural, do lazer, do ideal da  revitalização dos bens culturais esbarra nas transgressões urbanas. Portanto, vivemos um momento crucial. De um lado a preocupação com a violência que isola o homem nos apartamentos, nos condomínios e nos shopping-centers ou nos muros que isolam as casas, o outro, a busca pelo conhecimento cultural, o sentimento de que é necessário reviver tradições e interagir com outras culturas. Para Barreto a resposta para a transgressão do espaço público e  coletivo “parece estar no repensar os grandes conglomerados urbanos, partindo, de um planejamento que tome em conta as necessidades humanas” (Barreto, 1999. p 52.)

 As discussões sobre a revitalização do patrimônio passa, essencialmente pela debate sobre o planejamento urbano, a formas de uso dos monumentos históricos e do apoio às manifestações culturais. Nesse processo  é importante a participação da comunidade ou órgãos de classe, pois a (re)construção dos espaços não se faz por decreto ou  por decisões de técnicos. As pessoas, residentes do lugar, devem participar, pois o conhecem  e precisam ser motivadas a fortalecerem o sentimento de identidade.

Discutir bens culturais é pensar na  viabilidade da transformação urbana, representa a necessidade de sonharmos com políticas de investimento na reorganização do caos urbano. Jacques Le Goff,  ao discutir o papel das cidades, aponta para os descaminhos da excessiva  concentração urbana e nos demonstra a seguinte preocupação: a  necessidade de recuperação da função  pública das cidades, dos espaços e convivência e de cultura, dos lugares de formação e de exercício da cidadania. A cidade desvitalizada representa a continuidade do descaso com o patrimônio, o seu uso indevido. A paisagem urbana descaracterizada faz com que a sociedade se distancie das discussões sobre o uso do bem cultural.

Marcelo Ribeiro, discute a importância da revitalização do patrimônio, na medida em que reabilita o espaço urbano, fortalece manifestações culturais descaracterizadas em sua tradição e o reconhecimento dos cidadãos em relação aos bens culturais. Além disso, gera renda para a comunidade e para o município. Ribeiro, discute o caso de Porto Alegre:

“No centro de Porto Alegre podemos identificar outra proposta de revitalização e reutilização de espaços de grande porte que sofreram o processo de proposta cultural. É o da conhecida Usina do Gasômetro, que se situa às margens do Guaíba, que antigamente dividia espaço com um presidio público e era conhecida como  “ponta da cadeia”. Este espaço abriga diversas exposições, teatros e show e possui como diferencial uma chaminé que se projeta de qualquer ângulo como símbolo do passado: de gerador de energia passou a centro de cultura (...) Pensar e planejar áreas de lazer aliadas a espaços ociosos da urbe e a sua posterior valorização através de parques e praças com motivos culturais e históricos são formas  de resgate da cultura e homenagem a etnias que habitam as cidades” (Ribeiro, 2000, 148 e149).

  O caso de Curitiba é semelhante, pois a administração pública conseguiu aliar áreas de lazer com a valorização da cultura de povos que imigraram para a cidade. Ao mesmo tempo em que se valoriza  diversidade cultural do município, possibilita ao cidadão e ao turista espaços de lazer. Há,  em Curitiba e Porto Alegre exemplos de boa utilização do patrimônio cultural. O uso deve ser resultado de uma política  que envolva a administração local, a comunidade e os órgãos de classe.  Não necessitamos fazer um opção entre a continuidade do caos urbano e a “construção da cidade ideal”, temos que planejar e discutir a organização das cidades e pensar na revitalização do patrimônio. Como sugere Le Goff, é necessário expressar nosso amor pelas cidades e pelos bens culturais

           

 

PATRIMÔNIO AMBIENTAL E CULTURAL

 

 

Entre muitas regiões do Brasil que se caracterizam pela riqueza do patrimônio ambiental e cultural, decidimos discutir e apresentar a singularidade do Vale do Paraíba, pois é uma região viável para a consolidação de políticas e investimentos na preservação do patrimônio e na manutenção da identidade cultural. A globalização se consolidou em algumas cidades que ainda mantêm as tradições da cultura e a exuberância do meio ambiente. O  Vale do Paraíba paulista  caracteriza-se pela localização geográfica: é cercado pelas Serra da Mantiqueira e pela Serra do Mar, é uma região de elo entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Na região,  encontramos  trilhas, cachoeiras, picos (por exemplo, o Pico da Mina em Queluz ) parques estaduais, áreas de proteção ambiental e um  “mar de morros”, o que indica a diversidade   do patrimônio natural. Muitos lugares não são ocupados pelas cidades, aliás, os municípios em que o processo de industrialização e modernização não se consolidaram, apresentam espaços propícios para o desenvolvimento do turismo de aventura ou rural. Instituições como o SEBRAE e ONGs têm contribuído com o desenvolvimento da ocupação ordenada da área rural, através de empreendimentos turísticos. O envolvimento da comunidade rural e de empresários que possuem terras, fazendas e produções agropecuárias, com o turismo, permitiu  o aumento do fluxo de visitantes. Ao mesmo tempo, a consciência de que o meio ambiente precisa ser respeitado, tem  despertado na sociedade o sentimento de preservação ambiental e de investimento em empreendimentos turísticos. Através da regional de Guaratinguetá, o SEBRAE é um exemplo de incentivo ao turismo em Cunha, Bananal, Areias e Queluz, desenvolvendo programas específicos.

Entendemos que as atividades em áreas rurais podem contribuir com a comunidade e com as políticas de preservação do patrimônio ambiental. Segundo Moletta, a atividade turística no meio rural “significa um meio para aumentar a sua renda mensal, de forma harmônica, valorizando sua propriedade e o seu estilo de vida”. Representa a oportunidade do homem urbano  “resgatar suas origens culturais, o contato com a natureza e a valorização da cultura local” (MOLETTA, 1999. p. 9).  Obviamente, esse tipo de atividade pode trazer impactos negativos para o patrimônio ambiental e para a cultura do homem do campo. A mudança de hábitos, a degradação do local, a descaracterização da cultura e o excesso de lixo, são fatores que inviabilizam o desenvolvimento sustentável. O envolvimento da comunidade rural, de instituições compromissadas com o meio ambiente e com a cultura são fundamentais para que o impactos não acarretem transformações significativas.  

Da mesma forma, podemos discutir a importância de nossos parques, cachoeiras, trilhas e picos. Como conciliar a visitação e o turismo no Parque Estadual, Horto Florestal e no Pico do Itapeva em Campos do Jordão,  no Parque da Nacional da Serra da Bocaina entre Bananal e São José do Barreiro, na Cachoeira dos Veados ou de Santo Isidro, que ficam nesse  parque, ou mesmo, na Trilha do Ouro que corta a Bocaina? Instituições como o IBAMA, SOS Mata Atlântica e ONGs são fundamentais para a preservação ambiental e devem exercer papel de orientação para a ocupação. As Instituições de Ensino Superior e o Instituto de Estudos Valeparaibanos também devem colaborar como políticas e ações para a preservação do patrimônio ambiental. As instituições precisam, com urgência, consolidar projetos de parcerias para atuarem de forma conjunta, não fragmentando investimentos e os recursos humanos.

A cultura e a história regional é marcada pelas “Fazendas do Café” e palas Festas profanas e sagradas, em que os barões, escravos, comerciantes, padres, tropeiros, viajantes, advogados, homens pobres e livres, entre outros, foram agentes da história e representam  diversidade e identidade cultural.  Como herança cultural temos as festas, danças e a  culinária. Celebrações como a Festa do Divino e de São Benedito marcam o calendário nacional e são intensamente comemorados no Vale do Paraíba. As manifestações ocorrem entre um elo de tradições e novos comportamentos, típicos da dinâmica cultural da modernidade.

As fazendas do café, símbolos do poder e da economia do século XIX, representam na atualidade, uma oportunidade para seus proprietários, pois podem transformá-las em locais turísticos. É o que ocorre em fazendas como Boa Vista e Três Barras em Bananal, Paineiras em São Luís do Paraitinga, Pasto Grande em Taubaté, Fazenda Amarela em Lorena ou Boa Vista em Roseira (MAIA, 2000). São patrimônios que se revitalizam para abrigar hotéis ou locais para visitação. A transformação desses locais representam  uma alternativa para os proprietários evitarem  “falência do local”; no sentido de que as demais atividades econômicas ( pecuária e a produção de leite) não viabilizam os custos de manutenção e impedem os investimentos de revitalização do patrimônio. Em Barra do Piraí, (Rio de Janeiro),  através da Fazenda Ponte Alta (os proprietários recebem os turistas com vestimentas e música do século XIX),   e em  Carandaí  (Minas Gerais), na Fazenda   Estalagem  ( preservação da mata e das construções), as atitudes dos proprietários  vão no mesmo sentido. Observa-se que os investimentos nas fazendas, realizadas com pesquisas e pessoal competente e comprometido, consolidam a revitalização e possibilitam a utilização adequada do patrimônio.

O Vale do Paraíba, necessita de cidades que respeitem os espaços urbanos e públicos, pois existem cidades como São José dos Campos e Jacareí que se industrializaram e  se modernizaram e ainda mantêm  o patrimônio cultural e ambiental. Do outro lado, temos exemplos de cidades como Cunha, Silveiras, Areias, Queluz, São José do Barreiro, Arapeí, Bananal e São Luís do Paraitinga,  que possuem um legado ambiental e cultural que simbolizam a riqueza e a originalidade do Vale do Paraíba, como região em que o patrimônio necessita de cuidado e profissionais competentes.        

 

 

PATRIMÔNIO E IDENTIDADE

 

 

A preservação do patrimônio tem entre suas funções o papel de realizar “a continuidade cultural”, ser o elo entre o passado e o presente e nos permite conhecer a tradição, a cultura, e até mesmo quem somos, de onde viemos. Desperta o sentimento de identidade. Margarita Barreto defende a “recriação de espaços revitalizados”, como um dos fatores que podem “desencadear o processo de identificação do cidadão com sua história e cultura (Barreto, 2000. p.44).

No século XX a sensação da fragmentação da identidade, da perda das referências culturais, despertou no homem o desejo de “retorno a algo perdido”, ou seja, a necessidade de buscar manifestações culturais que pertencem a seu passado vivo, a comportamentos que deixaram de ser comuns, pois o frenesi contemporâneo exige atitudes da sociedade globalizada.

Pertencer a uma identidade cultural, significa descobrir-se, ser diferente dos comportamentos globais. Por isso, patrimônios culturais intangíveis como as formas de manifestações  lingüísticas, de relacionamento, de trabalho com a terra e a tipificidade da culinária, o cultivo e o preparo do vinho, os passos das danças tornaram-se patrimônios da cultura e demonstram a riqueza da relação entre identidade e diversidade da cultura brasileira.

O Centro Unisal, o Instituto de Estudos Valeparaibanos,  os historiadores, arquitetos, os jornalistas, os antropólogos, os arquitetos e os jornalistas, entre outros,  demonstram-se preocupados com o uso do patrimônio, com a descaracterização de casarões, fazendas e outras construções de caráter histórico e com a banalização de rituais, danças e comportamentos, por sua exposição e uso indevido. Podemos citar como  exemplo a apropriação pelos agentes de turismo dos bens culturais, que podem se tornar espetáculos, shows e renderem-se ao apelo capitalista, deixando de serem elementos de uma tradição, de uma cultura ou monumentos que representam determinado momento histórico, para se tornarem exclusivamente atrativos turísticos, perdendo a referência com a comunidade e com história.  Concordo com Barreto quando afirma que a revitalização do patrimônio tem contribuído para a: “recuperação de identidades locais ameaçadas em todas as partes do mundo pelo avanço de uma única cultura hegemônica, que se impôs nas últimas décadas na música, no vestuário, na alimentação, nas formas de lazer e de consumo” (Barreto.2000, p.44)

    A dinâmica dos tempos nos revela que as culturas não se congelam,  adaptam-se. As trocas culturais são comuns. Por outro lado, as comunidades que se organizam para revelar seu patrimônio, que assumem sua identidade e que recuperam formas tradicionais de culinária, danças e festas estão tendo oportunidade de revelar para a sociedade globalizada suas diferenças, peculiaridades e modos de comportamento. Está, justamente, no ser diferente que reside a geração de renda, emprego e visualização de que a tradição cultural deve ser encarada como identidade da comunidade, fazendo com que as pessoas não necessitem ser como todos são. Não tenho dúvida de que a cultura globalizada, de que o comportamento tipicamente consumista e capitalista geram impactos, interferem nos comportamentos tradicionais, transforma bens culturais em produtos de consumo. Por isso, a revitalização e os estudos sobre as formas de uso e interação com o patrimônio devem ter profissionais capazes de pensar nestas questões, de apontarem alternativas. As pesquisas e debates devem ser multidisciplinares e terem como referência a comunidade e seu patrimônio. Barreto escreve sobre os equívocos da revitalização; defende, porém, estudos que proporcionem a manutenção da identidade. A recuperação da memória fortalece a cidadania e a valorização do patrimônio.   Barreto afirma que:

“Embora todos os problemas antes mencionados sobre a transformação da história e do patrimônio em bem de consumo e o fato real de que há uma ressignificação nesse processo, acredita-se que é sempre uma melhor opção do que o esquecimento da história, do que a marginalização de bairros ou do que a derrubada de prédios por causa da especulação imobiliária” (Barreto. 2000, p.51).

 

 

 

 

 

PATRIMÔNIO E COMUNIDADE

 

 

Ao pensarmos na revitalização do patrimônio, temos que necessariamente discutir, os mecanismos de tombamento, os recursos financeiros e humanos disponíveis e as alternativas de uso. Acima de tudo, o processo de revitalização tem que ser benéfico para a sociedade, ao transformar o lugar em um espaço agradável para os cidadãos e para os turistas. Deve, ainda,  respeitar as características culturais da população e da arquitetura das construções, não podendo distorcer o seu significado artístico.

O uso adequado do patrimônio tem que exercer duas funções: garantir o respeito à cultura, inclusive no que se refere aos estilos artísticos e garantir o significado histórico e a comunidade, que não pode ser excluída do processo de decisão sobre o uso do patrimônio ou mesmo dos benefícios econômicos advindos da atividade turística. O desenvolvimento tem de representar a inserção social, pois entendo que a participação é essencial para que os impactos não degradem o lugar e os confrontos entre comunidade e turistas não se estabeleçam; além disso, o lugar deve gerar empregos para a comunidade, oportunidade de comercializazação do artesanato e de prestação de serviços. Paralelamente, as escolas necessitam fortalecer os estudos sobre a história e cultura local.

Ulpiano Meneses discute de forma consistente a questão do uso da cultura. Coloca como temas para reflexão problemas como a cenarização das cidades, o fetichismo da cultura, o consumo do bem cultural, o desenraizamento dos turistas, ou seja, põe em debate o tipo de turismo que praticamos. Em sua análise, as alternativas para o desenvolvimento do lugar através do turismo não são analisadas. Entendo que são questões sérias que devem compor a pauta das discussão sobre os empreendimentos turísticos. Mas temos que levar em consideração experiências mundiais: a revitalização do patrimônio têm contribuído para o desenvolvimento dos lugares; manifestações culturais estão se fortalecendo e as comunidades percebem que a riqueza da identidade representa um impulso à continuidade da herança cultural e a geração de emprego e renda.

 

 

PATRIMÔNIO E FORMAS DE USO

 

 

Num momento em que redescobrimos o valor do patrimônio, como elemento de identidade cultural, torna-se  comum a discussão sobre as  formas de seu uso. Percebemos lentamente o interesse do governo federal e até mesmo dos gestores estaduais pelo patrimônio. Países europeus como Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, França, República Tcheca e outros perceberam que investir na restauração e preservação dos bens culturais, trouxe o benefício da dinamização do turismo, ao mesmo tempo que fortaleceu a identidade nacional. Consequentemente, empresários e sociedade organizada se beneficiaram com o aumento da riqueza interna, pois o turismo gerou negócios e empregos. Os patrimônios possuem a estrutura necessária para receber os turistas, que encontram sinalização adequada, folhetos, guias e uma série de serviços  para a visitação do bem cultural.

Américo Pelegrini apresenta vários exemplos de patrimônios usados para fins culturais e que viabilizam a manutenção de heranças culturais, assim como, o consumo da própria cultura (PELLEGRINI FILHO, 1993. págs 112 a 116) A argumentação de Margarita Barreto sobre o uso do patrimônio são interessantes, ao indicar que um centro histórico ou bairro revitalizado pode se transformar em  “site museums”, entendidos como “museu de sítio” ou, ainda,  “museu no local”, onde os espaços podem ser preparados para representar uma época: construções, vestuário, culinária e costumes devem “espelhar” uma época, fazendo com que os visitantes conheçam a história e a cultura (BARRETO, 2000. p 58 e 59). É, inclusive, uma forma da população local conhecer-se e discutir sua identidade.

Os site museums, permitem a sustentabilidade econômica do lugar, pois atraí turistas e  investimentos, por outro lado, há perigo de tornar  estes lugares cenários sem vínculos com a comunidade, servindo de bens de consumo ou lugares em que o setor privado se beneficia com os lucros e a comunidade transforma-se, unicamente, em uma referência da cultura, não participando do processo das decisões sobre o planejamento turístico do lugar. O sucesso destas experiências deve representar o desenvolvimento que mantenha a herança cultural, que insira a comunidade e que amplie os investimento, os empregos e a renda do lugar. É fundamental que o empreendimento seja precedido de pesquisas, de um sério trabalho de restauradores, historiadores, arquitetos, antropólogos e outros profissionais capazes de contribuir com a reconstrução de época.

Portando, o fortalecimento da identidade cultural, passa necessariamente pela questão do patrimônio, como elemento que fortalece o sentimento de pertencimento a uma comunidade, cultura ou tradição, que permite realizar o elo entre passado e presente. Tornar um casarão ou fazenda do século XIX um museu representa o fortalecimento da identidade cultural, da geração de conhecimento, e de formação para os cidadãos e fundamentalmente para o desenvolvimento sustentável.                  

Temos que discutir sistematicamente a revitalização dos lugares de turismo, ampliando os espaços de manifestação cultural e de lazer, criar mecanismos de  preservação do patrimônio, para que nossas identidades culturais  se fortaleçam, ou mesmo, para que possamos compreender  nossa  diversidade, tornando o patrimônio uma referência da história e tradição. É necessário ampliar o senso de cidadania e viabilizar o seu uso de forma adequada para que possa ser um fator de conhecimento, formação, interação e geração de renda e emprego.         

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

BARRETO, Margarita. Turismo e legado cultural. Campinas: Papirus, 2000.

GASTAL, Susana (org.). Turismo: 9 propostas para um saber fazer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Editora da UNESP, 1988.

MAIA, Thereza Regina de Camargo. O Vale Paulista do Rio Paraíba: história, geografia, fauna, flora, folclore e cidades. Aparecida: Santuário, 2000.

MOESCH, Marutschka. A produção do saber turístico. São Paulo: Contexto, 2000.

MOLETTA, Vania Florentino. Turismo rural. Porto Alegre: SEBRAE/RS, 1999.

PELLEGRINI FILHO, Américo. Ecologia, cultura e turismo. Campinas: Papirus, 1993.

PIRES, Mario Jorge. Lazer, turismo e cultura. São Paulo: Manole, 2001.

 RIBEIRO, Marcelo. A atratividade dos centros urbanos e o turismo. In: GASTAL, Susana (org.). Turismo: 9 propostas para um saber fazer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

RODRIGUES, Adyr Balastreri (Org.) Turismo: desenvolvimento local. São Paulo: Hucitec, 1997.

MENEZES, Ulpiano T. Bezzerra. Os “usos culturais” da cultura. Contribuição para uma abordagem crítica das práticas e políticas culturais. In: YÁZIGI, Eduardo,  CARLOS, Ana Fabri Alessandri, CRUZ, Rita de Cássia Ariza da.  Turismo: espaço, paisagem e cultura. São Paulo, Hucitec, 1999.

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