A teoria do simbólico de Durkheim e Lévi‑Strauss

 

A teoria do simbólico

de Durkheim e Lévi‑Strauss

 

Resumo
Reconstruindo analiticamente o diálogo entre Claude
Lévi‑Strauss e E. Durkheim em torno do tema do totemismo e das formas de pensamento nas culturas primitivas, este
artigo procura explicitar como a escola francesa inaugurou uma antropologia do simbólico, não hermenêutica e, até hoje,
muito influente no campo dos estudos das religiões. O principal objetivo é demonstrar a centralidade de determinado
conceito de “representação” nessa teoria do simbólico, de viés cognitivista, e examinar, à luz das perspectivas atuais, as
suas limitações para a compreensão dos fenômenos religiosos contemporâneos.

Na celebração do centenário de Emile Durkheim na
Sorbonne em 1960, Lévi‑Strauss1 presta homenagem ao fundador da
escola sociológica francesa saudando sua conversão para a etnologia em
seu livro de 1912, As formas elementares da vida religiosa. Lévi‑Strauss atri‑
bui à fundação do L’Année Sociologique o repentino interesse de Durkheim
por tal ciência. Nas resenhas que publicou nesse periódico, do qual foi o
fundador, Durkheim se deu como tarefa comentar e criticar o que apa‑
recia no mundo como
literatura sociológica.

Desse modo, passou a inteirar‑se sistematicamente do que faziam e observavam os etnógrafos “de campo”, tais como Boas, Spencer e Gillen, Cushing etc.

Ao aceder diretamente às fontes, Durkheim teria feito, segundo Lévi‑Strauss, uma importante descoberta: voltando‑se para os dados particulares da observação direta, abandonando os simples compiladores como Tylor e Wundt, a etnologia durkheimiana pôde libertar‑se das pretensões histórico‑filosóficas, que faziam dos fatos meras ilustrações de hipóteses especulativas, e ganhar autonomia como uma nova ciência experimental.


Talvez a noção de etnologia então abraçada por Lévi‑Strauss hoje
já nos pareça um tanto antiquada: “espécie de inventário humanista
de todas as formas de expressão suscetíveis de serem adotadas pela
natureza humana”. No entanto, para além de seu valor humanísti‑
co, Lévi‑Strauss imputa à etnologia um valor heurístico no campo das
ciências sociais, ao mesmo tempo muito próximo e bastante crítico
àquele expressado por Durkheim. Ao assumir em 1951 a cadeira de
Religiões dos povos não civilizados, fundada em 1888 na École Pratique des
Hautes Études, e que fora de Léon Marillier, Marcel Mauss e Mauri‑
ce Leenhardt, Lévi‑Strauss lhe muda o nome para Religiões comparadas
dos povos sem escrita. Naquele contexto de descolonização, em que os
“ouvintes de ultramar” começavam a discordar das interpretações
de Lévi‑Strauss e seus alunos, essa mudança não foi inocente: sen‑
sível aos novos tempos, tornara‑se impossível cultivar a colaboração
dos não europeus mantendo o suposto de que as religiões em estudo
eram praticadas por povos “não civilizados”. Lévi‑Strauss considerou
o epíteto “sem escrita” valorativamente mais neutro, além de acres‑
centar uma estabilidade relativa ao objeto que o deixava mais próprio
à pesquisa experimental. Foi nesse quadro institucional e ideológico
francês de meados dos anos 1950 que Lévi‑Strauss experimentou mé‑
todos de análise das representações míticas e das práticas religiosas
antes de migrar, nas décadas seguintes, para a construção sistemática
de seu modelo estrutural. São os escritos desse período que nos per‑
mitem, então, perceber com mais clareza o que as suas interpretações
sobre as religiões ditas primitivas devem (ou não) a Durkheim. O en‑
sejo deste artigo será, portanto, em parte, o de examinar se e como
Lévi‑Strauss reportou‑se ao modelo durkheimiano das religiões di‑
tas primitivas e quais desdobramentos particulares imprimiu a esse
legado. Demonstraremos a centralidade de determinado conceito de
representação nessa teoria do simbólico, de viés cognitivista, e exami‑
naremos, à luz das perspectivas atuais, as suas limitações para a com‑
preensão dos
fenômenos religiosos contemporâneos.

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