Marketing: novos conceitos e as mesmas conversas.
Pense rápido... O que é mais importante em uma estratégia de
marketing para uma empresa?
Muito provavelmente você tenha dito os lucros, ou fazer clientes
fiéis, talvez tenha pensado nos tradicionais 4Ps (Praça, Preço, Promoção e
Produto), ou até mesmo em ser reconhecido pelos consumidores. Caso ainda não
tenha reparado, todas essas opções citadas acima são fundamentais e visadas em
qualquer campanha há décadas. O verdadeiro sucesso dessas ações está,
justamente, em aliar o máximo delas para satisfazer as necessidades dos
consumidores.
Só que a capacidade que os profissionais de marketing têm de inventar palavras novas para descrever antigos conceitos é crescente. A prova está na seção de livros de negócios encontrada em qualquer grande livraria. Marketing one to one, de relacionamento, viral, boca-a-boca, direto, de permissão, pessoal, Cauda Longa, 1.0, 2.0, 3.0, marketing de guerrilha e, sem dúvida, essa lista não para por aqui. Essas variações costumam aparecer em livros internacionais, escritos por uma infinidade de novos gurus, mas que, devidamente estudados, são muitas vezes repetições sobre o mesmo tema.
Para a professora de Marketing Nelci Moreira, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), um exemplo desta constatação está nas escolas de marketing norte-americanas. "Um professor da Harvard Business School, obrigado a publicações acadêmicas para preencher sua cota, solicita como tarefa a seus alunos que visitem uma determinada empresa para elaborar um case.
Posteriormente, publica um artigo sobre o assunto. Por aqui,
professores passam a escrever novos artigos com base no publicado por Harvard,
gerando aulas, citações dos cases e logo alguém na mídia se utiliza desses
jargões. Daí, para fazer parte de novos livros fica faltando pouco. Rapidamente
estas ideias se misturam e são geradas novas, prejudicando, inclusive a nossa
publicação científica, que fica repleta de pseudo-pesquisas", assegura
Nelci.
Aula na mercearia
O marketing de relacionamento é um desses exemplos que vem sendo apontado como
a atual tendência do mercado. Mas essa está longe de ser uma prática realmente
inovadora, muito pelo contrário, ela é tão antiga quanto o próprio comércio. Um
exemplo disso é a mercearia do Seu Francisco, na cidade de Abaeté, no interior
de Minas Gerais, que já está há três gerações com a família. Francisco nunca
teve problema com freguesia, sabia o nome de todos os clientes e sempre que
conseguia, batia um "dedinho de prosa" ou tomava um cafezinho com os
frequentadores. Para os moradores próximos, a mercearia tornou-se essencial e,
apesar de não ter a grande variedade de produtos e promoções dos supermercados,
as compras do mês eram sempre feitas ali.
"A busca em atender a necessidade do consumidor sempre foi algo imperativo
ao marketing. Não há nada de novo nisso. Quem atendesse melhor a necessidade
dos consumidores teria mais clientes fiéis", explica o professor de
Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nicolau André.
De acordo com ele, "a grande diferença, no entanto, é que cada vez mais
empresas estão entendendo que o consumidor não compra um produto apenas pela
razão, mas pelo bom atendimento, atenção e, principalmente, por alcançar seu
lado emocional". Dessa forma, grandes organizações estão aprendendo que
atender como a mercearia do Seu Franciso pode fazer toda diferença.
Reclamações e virais sempre existiram
Eduardo Carvalho tinha 17 anos quando comprou sua primeira câmera fotográfica.
A aquisição, porém, não foi uma de suas melhores experiências. Menos de um mês
depois da compra, o aparelho parou de funcionar. Consequência disso foi ele
comentar com seus amigos a contra-indicação daquela marca. Esses contatos se
espalharam para outras pessoas, o que fez possíveis compradores desistirem do
produto. O detalhe desse fato tão corriqueiro é que aconteceu no final da
década de 70.
Muitas teorias de marketing recentes apontam que os consumidores de hoje são
mais exigentes e, agora, fazem questão de falar isso em sites de
relacionamento. Mas a questão é que as pessoas sempre reclamaram ou
recomendaram produtos e serviços através dos tempos. "
"O boca-boca é a mais velha mídia do mundo. Apenas as redes sociais,
ligadas na internet com conectividade, amplificaram e facilitaram o fenômeno
desse relacionamento interpessoal", indica Renato Marchetti, professor do
programa de doutorado em Administração da PUC-PR. Para ele, as novas
plataformas originadas na convergência tecnológica permitiram ampliar a
dimensão de velhos costumes.
A inovadora Cauda Longa do século 19
Imagine a possibilidade de comercializar milhares de produtos sem os clientes
precisarem sair de casa. Ali teriam desde as mercadorias mais procuradas e
desejadas, até aquelas que dificilmente estariam numa loja tradicional pela
pouca demanda. A grande variedade de produtos e a não necessidade de vendedores
em uma loja física se tornariam os impulsionadores desse comércio.
Não, não estamos falando do e-commerce e nem tão pouco da badalada Teoria da
Cauda Longa que indicou essa linha de negócios com a internet. Trata-se de um
catálogo que fez muito sucesso ainda no final do século 19. "No catálogo
da Sears (Wish Book) havia cerca 200 mil itens com descrições e cerca de seis
mil ilustrações. Era um tipo de compra postal que barateava o produto em mais
de 50%, levando em consideração os custos de expedição", declara Nelci
Moreira, da UNISUL.
Para a professora, a essência do modelo de comércio da Sears com a Amazon de
hoje, por exemplo, é a mesma. "A grande mudança foi as novas plataformas,
que substituíram o catálogo, primeiro pelo computador com a internet e, agora,
com celular e tablets."
Nem Kotler escapa
Uma outra teoria que está sendo bastante comentada são os argumentos expostos
no Marketing 3.0 de Philip Kotler, considerado uma das maiores autoridades
mundiais do marketing. Ela vem influenciando a forma de as empresas se
comportarem diante do consumidor. Mas, até o próprio 3.0 não se trata realmente
de um novo formato do marketing, apontam estudiosos da área.
Alice Barreto, mestranda em Administração pela UFPB, acredita que Philip Kotler
traz novos rótulos para antigas teorias. "Ele tem um papel relevante para
estudantes em nível de graduação e gestores pelo acesso a um livro mais
didático, com denominações mais entendíveis. No entanto, não se pode
caracterizar de fato como evolução da área, em um contexto amplo de
desenvolvimento de novos conceitos e teorias", salienta Alice.
"Inclusive, o próprio Kotler já trabalhou essas definições de marketing
social e marketing para sociedade em um livro da década de 70", complementa.
" A professora Nelci Moreira vai mais longe. Para ela, a questão é que
Philip Kotler é um excelente produtor de manuais e transformar isso em novos
jargões para o marketing foi uma forma de ganhar notoriedade. "Vamos
esperar pelo Marketing 4.0 que será exigido pela aplicação da nanotecnologia e
pelo marketing 5.0, uma possível exigência de mudanças radicais ocasionadas
pela troca de ciências como suporte de velhos produtos", cogita.
Velhas ideias e novas inspirações
Professores da área são quase unânimes: tantas terminologias para rebatizar
velhas ideias com cases mais atualizados são importantes para que novos
interessados no assunto reinventem e adaptem ações de marketing. "Muitos
livros recentes trazem uma leitura atualizada do que está acontecendo. Isso
facilitar entender as ações atuais e ajuda a criar novos programas e
abordagens", indica o professor Nicolau André, da FGV.
Para o professor Renato Marchetti, "o livro é um meio para difusão de
conhecimento e as editoras sobrevivem de sua venda. Portanto, não há nenhum
pecado nisto. Essas propostas representam fontes de inspiração. O importante é
não se perder no meio de tantas ideias e novas perspectivas. O foco principal
do marketing é o cliente, independente de como o chamamos".
Nesse sentido, nota-se que, apesar de tanto gurus e escritores do marketing
atual não terem descoberto a pólvora, conseguiram deixá-la numa embalagem bem
mais bonita. Isso é ruim? Claro que não! Empreendedores, estudantes e
professores agradecem.
Então, o que há de novo?
O cenário corporativo precisa estar preparado. Por isso, as ações das empresas
estão constantemente se adaptando para atender a nova era digital, as múltiplas
plataformas e os recentes valores agregados das pessoas.
A sustentabilidade empurra as questões climáticas. A globalização dos mercados
e a tecnologia acentuam a necessidade de uma revisão do marketing tradicional.
Fala-se hoje em consumo consciente e discute-se com maior profundidade as
questões do descarte de produtos, energia limpa e a presença de uma legislação
cada vez mais rigorosa e atuante sobre os desvios da conduta ambiental.
De acordo com o professor Renato Marchetti, todas essas variáveis compõem o
novo ambiente de marketing. "As empresas deverão se adaptar a este novo
cenário como se adaptaram a outras rupturas do passado, como os processos de
produção e distribuição em massa no inicio do século 20, a revolução nos meios
de transporte e da comunicação."
Nesse sentido, apesar de poucas mudanças drásticas na essência do marketing,
tudo se tornou mais intenso, veloz e responsável. O resultado disso? Simples.
Olhar para o passado nunca se mostrou tão importante e relevante para a
construção das ações do presente e futuro do marketing.
Por Fábio
Bandeira de Mello,
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