Por que não acredito numa escola ideal

 


Quantos foram os professores cujo trabalho e exemplo gravaram um legado em sua memória? Um, dois, três, dez?

Lembro de quatro - e essa conta vai até a faculdade de direito.

Convenhamos: quatro professores da alfabetização à universidade é bastante pouco. Você pode até considerar que minha avaliação não é representativa porque outra pessoa, com critérios diferentes para avaliar os mesmo professores, escolheriam mais ou menos.

Concordo, concordo. Tenho a meu favor o fato de fazer parte da média. Sim, ao longo dos anos venho fazendo a amigos, colegas, conhecidos, familiares, a mesma pergunta: quantos professores marcaram sua educação formal? As respostas variavam entre três e cinco, considerando até a universidade.


Não lembro de qualquer resposta acima desse número.
Tais considerações vem à guisa do texto Magistério e apostolado, publicado no blog Ocidentalismo de autoria de Rodrigo de Lemos.

O problema central do texto é a insatisfação financeira como justificativa para a baixa qualidade do ensino, o que explica a imagem que temos do professor com pires na mão - em vez de livros. Rodrigo faz uma crítica que me parece correta: centrar a discussão sobre o ensino na ausência de investimentos afasta o debate do verdadeiro problema, a singularidade do magistério exige talento, dedicação, abnegação e capacidade para estimular o estudo solitário. Tais características independem do valor dos vencimentos, mas são potencializados por estes.

Um bom professor bem remunerado terá um incentivo muito maior para exercer seu ofício.
A reclamação quanto ao salário não é nova no Brasil.

A nota curiosa é que o Dia do Professor, 15 de outubro, é uma homenagem à criação do ensino elementar no país por decreto de D. Pedro I em 1827, decreto este que também definiu os honorários do professor entre 200 mil e 500 mil réis por ano. Em 15 de Outubro de 1953, o Centro do Professorado Paulista publicou uma nota para homenagear os professores e lamentava o baixo valor da remuneração em comparação àquela do Império com a qual “vivia o mestre-escola, a sua vida trabalhosa e honesta”.

Parentes e amigos que estudaram em escolas públicas nos anos 1940 e 1950 disseram-me que um dos fatores que contribuíam para a boa qualidade do ensino era o fato de parte dos professores ter outras profissões (advogados, comerciantes etc.). Segundo os relatos que ouvi, aqueles professores não dependiam do salário e viam o magistério como uma missão.
Este é um fator entre outros. A massificação do ensino para atender uma população crescente e a mudança das regras e do currículo disciplinar talvez tenham provocado um impacto muito maior do que a profissionalização do ofício.

Uma parte do argumento do Leandro interessa-me sobremaneira por considerá-la o problema principal: qual a solução ou soluções possíveis para melhorar o ensino formal diante da situação atual?

Honestamente, não tenho uma resposta nem tenho intenção de pensar num projeto, e nem acredito que um único projeto dê conta de resolver os principais problemas da educação brasileira pela complexidade cada vez maior de uma sociedade diversificada. Impor um único modelo de educação não é só uma estupidez, mas um projeto fadado ao fracasso.

E nem pretendo aqui discutir a incapacidade do Estado para gerir uma área fundamental ao desenvolvimento de uma sociedade. E deixarei para outro post avaliações do ensino em outros períodos da história para me concentrar num ponto específico.

O panorama que temos hoje apresenta, de um lado, o crescimento geral da população e a necessidade de se criar mais escolas ou de oferecer mais vagas nas já existentes. Do outro lado, temos uma educação fundamental e média de péssima qualidade nas escolas públicas, onde estuda a maior parte da população, e a busca cada vez maior dessas pessoas oriundas da educação estatal por faculdades e universidades na esperança de melhorar suas condições econômicas.

O mercado empregador, por sua vez, exige cada vez mais pessoas com graduação não porque considere importante a graduação em si (e muitas atividades exigiriam apenas um curso técnico), mas pelo fato de que o ensino básico não consegue ensinar o básico. Constrói-se, dessa maneira, a ilusão de que uma universidade será capaz de sanar a vida estudantil pregressa daquele candidato ao emprego. 

Na minha turma da faculdade de direito, por exemplo, havia colegas que simplesmente ignoravam a impossibilidade da expressão "caçar uma liminar" porque não aprenderam. Não era motivo para chacota, mas para lamento e tristeza. Mas, me diga lá, entre um que frequentou a universidade e outro que ficou pelo ensino médio, qual você escolheria para trabalhar em sua empresa?

Um dos tantos bons aspectos da melhoria da condições econômicas de uma parte da população brasileira é que, além de consumir mais bens e produtos, passa também a poder consumir serviços de educação.

Essa parcela da sociedade destina parte do orçamento para pagar escolas privadas com o objetivo de oferecer uma melhor educação para seus filhos. É um elemento importante a se notar: a melhoria das condições econômicas de uma pessoa ou de uma família faz com que estas, assim que podem, fujam dos serviços públicos e contratem serviços privados.

Voltando ao ponto abordado pelo Rodrigo, aumentar o salário dos professores não é uma garantia de melhoria de ensino, especialmente no curto prazo. Professores que não tiveram boa formação e que já foram contaminados pelo desestímulo, ressentimento e amargura, mesmo com um aumento de salário, não se tornariam profissionais melhores de um dia para o outro.

Mas a valorização da profissão, que inclui melhores salários e o resgate do respeito fundamental que o trabalho exige, atrairia profissionais mais qualificados e, com o tempo, poderíamos registrar uma melhora na qualidade do ensino.

Essa valorização premiaria, imediatamente, aqueles professores abnegados e competentes que, mesmo diante de um ambiente desolador, conseguem lecionar, educar e dar bom exemplo.

Sempre considerei que o melhor professor não era aquele que conseguia ensinar mais dentro da sala de aulas, mas aquele que estimulava os alunos a estudar fora da escola. Persuadir crianças e jovens a gostar de aprender e a amar o conhecimento eleva o padrão das aulas e a exigência dos alunos para aquilo que é ensinado.

E os professores, assim, podem nivelar a aula por um padrão acima, estabelecendo um saudável espírito de concorrência que faz com que os alunos com mais dificuldades de aprendizado se esforcem mais para estar à altura daquela turma.

Hoje, faz-se o contrário; premia-se os maus alunos nivelando a turma por baixo. Aqueles que nada aprenderam continuarão sem aprender e aquela minoria que deseja mais do ensino é perversamente desestimulada até desistir ou ter a sorte de encontrar um professor, um amigo ou parente que a incentive.

Se acredito que a educação é transmitida dentro de casa e assim deve ser, considero que a escola tem uma responsabilidade e uma finalidade a cumprir. Professor algum deve substituir os pais.

Sua função é a de transmitir um ensino formal e, obviamente, na convivência diária, ratificar os valores passados pela família, cuja responsabilidade é buscar escolas com métodos de ensino e preceitos morais que mais se aproximem daquilo que considera mais adequado aos seus filhos, escolha impossível de se fazer em escolas públicas e, para os defensores do homeschoolling, em qualquer escola.

Como pai e interessado no assunto arrisco-me a dizer que a educação de um filho em casa é realizada em grande medida no comportamento dos pais, que transmitem seus valores e virtudes pela forma como agem e conversam, não obrigando o filho a fazer o contrário do que ele vê.

Um crápula não será bem-sucedido apenas se obrigar o filho a ser uma pessoa honesta. Uma mãe desonesta não forjará a ferro uma filha imaculada.

Professores que assumem a responsabilidade da educação como uma missão civilizatória representam uma exceção. Converter essa exceção em regra é um anseio compreensível, mas irrealizável.

Podemos ter o ideal como estímulo para o desenvolvimento, para transcender a sua condição atual, como aquela maldição que move de que nos falava Blake, mas não como uma finalidade plena em si mesma que conduz à frustração, ao ressentimento e à paralisia.

Se houver instrumentos capazes de elevar a média de qualidade dos professores e do ensino poderá se constituir um ambiente de estímulo e concorrência que possibilite que os medianos se tornem melhores e que os melhores se tornem excepcionais.
Não acredito numa escola ideal, mas num ideal para a escola.



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