Estudar "oxigena o cérebro"​ e chacoalha a arrogância corporativa de saber tudo

 



Antes de começar, já deixo o crédito e o agradecimento de onde vem a expressão do título. A frase "oxigena o cérebro" me foi dita pelo Rodrigo Paolucci, founder da Samba Ads (YContent), um cara que sempre me tratou com muito respeito e incentivo, mesmo sem nunca termos trabalhado juntos diretamente.

Ele decidiu fazer um MBA no Canadá, em 2017, e achei aquela história interessante quando me contou, em SP. No mundo corporativo, e também nas startups, é comum ouvir a frase "estudar não adianta nada" e alguns comentários de que só a prática ensina.

Apesar de ser apaixonado por estudo e ter feito duas graduações e duas pós, eu também sempre bati duro na vida acadêmica, achando-a lenta, descontextualizada e cercada de gente que nunca construiu nada (bobo e de baixo contexto pensar isso).

Mas gostei demais da atitude do Rod de ir fazer isso e fiquei muito feliz na época. Achei um contra senso genial, arrojado, ali após os 30 anos de idade. Quando contei para ele que estava completando o plano de fazer o master e que me mudaria para Portugal, alguns meses depois, a mensagem foi de incentivo e apoio: "estudar afia a faca e oxigena o cérebro". Tomamos um café lá onde ele está morando, num domingo de setembro, e novamente ele me encorajou, contando como estava sendo o dia a dia no MBA. E com muita humildade, retomando à lógica de estudante, com aula naquele domingo, 12h.

O Gustavo, lá da Samba, também sempre falava dos cursos que ele fazia, desde os tempos de faculdade. Contava como gostava de ir ver outras coisas, sentir outros ambientes.

Quando chegou a nossa vez de viver a experiência (minha e da Lígia) percebi que aquela humildade teria que fazer parte da rotina. Primeiro de aceitar aquele ambiente que "não tem a ver comigo". A rigidez obcecada de alguns professores e a cultura diferente por si só significam um choque, de partida. Não é o modelo que agrada e fico pensando constantemente em síndrome do pequeno poder, com gente que ameaça os outros, colocado medo, em ambientes desnecessários (muitos professores fazem isso mundo afora). Foi preciso compreender várias coisas, posteriormente, para entender que seria um aprendizado viver aquilo.

Mas a humildade veio mesmo no cotidiano. Por muitas vezes não assisti às aulas, indo ao Brasil trabalhar ou cuidando dos projetos dos nossos clientes aqui na empresa. Pensei: de gestão eu acho que entendo e será fácil fazer trabalhos, artigos e exames. Estúpido e arrogante mentalmente. Bem feito!

Novamente a tijolada aconteceu. Tive aprendizados e insights que jamais sonharia. Um deles sobre o perigo de longo prazo no employer branding centrado na perspectiva do founder e alto contrato psicológico das novas contratações com essa figura, algo muito comum no ambiente de algumas empresas, no carisma da figura central. "Como eu nunca tinha pensado nisso?". Pois é. Os aprendizados estão aí em qualquer lugar e dedicar um tempo para "afiar a faca" pode fazer muito bem.

Mais e mais pauladas vieram. Primeiro o preconceito e as opiniões de muita gente de que todos os professores são retrógrados e atrasados. Quanta ilusão. Trabalhamos com artigos e perspectivas de 2018, fresquinhos, vindos da Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos, Brasil e Portugal. Alguns professores provocam os alunos para que tragam temas modernos, de relevância para o ambiente econômico e empresarial da Europa e isso gera uma riqueza absurda.

Outra tijolada na época de avaliações, com exames e trabalhos bem estruturados, reais, com critérios bem definidos. Um dia pedi desculpas a mim mesmo, pois deveria ter levado ainda mais a sério.

Neste caso de ter sido fora ainda tem o fato de você perder a sua rede básica, ter que construir novas relações, abrir novos canais. Isso é positivo, chacoalha, tira do caminho da sua história passada.

Continuo sendo um indivíduo corporativo e um empreendedor, assim como meu amigo Rod. Mas estamos afiando a faca para projeções futuras, para as próximas empresas que montarmos ou que formos participar. Estamos tentando tirar um tempo para dar um soco na arrogância que toma conta do cérebro.

Sentar numa cadeirinha e receber um feedback construtivo, rico e duro de um orientador inverte muitos papéis. Fora dali sempre fomos gestores de companhia, criando e trocando direções. Estar em novas cadeiras traz perspectivas importantes. (notinha simples: não precisa vir apenas do estudo. Outros lugares também te põe em novas condições. Estou apenas contando um caso pessoal).

Falei com dois amigos no sábado sobre isso: estou tomando um banho de humildade e ignorância a cada dia. Viver numa nova cultura, não sair por aí criticando métodos e processos que são novos para nós, aceitar que existem os bons, os médios, os ruins, os que querem desenvolvimento, os que querem ferrar, tudo isso é parte do jogo. Mas tirar ali as 12h por semana para me recolher à humildade de aprendiz e entender que não sei "tanto assim de gestão" está sendo uma grande farra.

Sigo achando a prática, a execução, a melhor maneira. É o caminho dos caminhos, mesmo. E effectuation é o lema de todos aqui na nossa empresa, desde o dia 0!!! Mas colocar-se em posição de ignorante faz um bem danado e estudar realmente pode afiar outras facas, não apenas de técnicas e competências, e sim de humildade, visão de novas perspectivas, cultura, conhecimento de modelos internacionais diferentes do seu, refrescar a mente com colegas jovens e por aí vai.

Resta saber o que você faz com isso.

Por fim. Tem jeito de curtir a vida acadêmica e ainda ser empreendedor (a), ser gestor (a). Deixo os exemplos do Nivio Ziviani, Berthier Ribeiro, Ivan Moura Campos (todos da UFMG) e Carlos Arruda (Fundação Dom Cabral) - mestres, doutores, empreendedores e executivos de altíssimo nível, mas antes de tudo pessoas nota 10. E com mais de 60 anos de idade, de muita sabedoria, adaptação. Conseguiram unir a vida acadêmica, as startups e o alto impacto em gestão em empresas de primeira linha (Nivio, Berthier, Ivan e também o Alberto Laender venderam a Akwan para o Google, para se ter uma ideia. E o professor Carlos Arruda tem uma vasta carreira internacional e é diretor executivo de inovação da FDC, além de ter um discurso moderno de gestão, voltado para o futuro). Eles estão sempre participando de boas rodas de discussão, grupos de evolução e iniciativas sociais e econômicas para o nosso Brasil e o mundo.

Para não passar batido, Berthier e Carlos Arruda são duas das minhas inspirações profissionais mais fortes, ainda que tenho certeza que não saibam disso.

Fica aí o relato de que a gente tem que tomar muita pancada. E que mesmo quem acha que tem cabeça aberta, sempre tem chance de abrir mais. Ah, só lembrando que isso cansa. Ah, mas cansa viu! Vida, amigos, estudo, empresa, família, lazer, atividade física. Dá trabalho, mas fica divertido, com propósito, com alegria, com saúde.

Acabou: antes de nos mudarmos para Lisboa, ouvi de uma pessoa MUITO PRÓXIMA que "já tinha visto muito mestre e doutor desempregado, que aquilo ali não me ajudaria muito". Achei legal e fiquei pensando qual a necessidade do comentário! Agradeci. hahaha. Acho que ele esqueceu o restante da nossa construção de vida e foi dar opinião mesquinha onde não deveria. Triste né? Mas um grande barato! (Nossa empresa bobinha, simples, frágil, está indo para 7 colaboradores na próxima segunda, além de tudo. Tá ruim, tá bom? Sei lá. Cada um pensa o que quiser. Está no ritmo que a gente queria, divertido, ajudando as pessoas e com saúde)

Publicado por

Fernando Pacheco
COO at PackIOT

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