Ideologia de Gênero
Ideologia de Gênero: estudo do American College of Pediatricians
Em agosto de 2016, o American College of
Pediatricians (ACPeds) publicou
um estudo, assinado pela presidente da associação, a doutora Michelle Cretella,
analisando a literatura médica sobre disforia de gênero e as bases científicas
dos atuais protocolos para o tratamento dessa condição, principalmente em
relação a crianças e adolescentes. A partir de uma extensa análise dos dados, o
relatório conclui pela falta de evidências científicas sólidas para recomendar
tratamentos invasivos, como os bloqueios hormonais em crianças e adolescentes,
cujos efeitos ainda são em grande parte desconhecidos ou, em muitos casos,
prejudiciais.
Fundado em 2002 por dissidentes da American
Academy of Pediatrics (AAP) descontentes com os rumos
ideológicos da tradicional associação, o College aponta e detalha a existência
de uma verdadeira ideologia de gênero por trás das
mudanças na compreensão médica sobre o fenômeno da disforia de gênero e aponta
para os perigos de mudanças bruscas sem pesquisas sólidas que as recomendem.
A Gazeta do Povo publica com
exclusividade, pela primeira vez em português, a íntegra do documento:
Resumo
A disforia de gênero (DG) na infância é uma condição psicológica
em que as crianças sentem uma incongruência nítida entre o gênero que sentem
ter e o gênero associado a seu sexo biológico. Na imensa maioria dos casos em
que isso ocorre na criança pré-adolescente, a DG se resolve até o final da
adolescência. Existe hoje uma discussão intensa, embora suprimida, entre
médicos, terapeutas e acadêmicos em torno do que está rapidamente se tornando o
novo tratamento padronizado da DG em crianças. Esse novo paradigma se baseia na
premissa de que a DG é algo inato; ele envolve a supressão da puberdade com
agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), seguida pelo uso de
hormônios do sexo oposto – uma combinação que resulta na esterilidade de
menores. Uma revisão da literatura atual sugere que esse protocolo se baseia em
uma ideologia de gênero não científica, que ele carece de uma base de
evidências e que viola o princípio ético duradouro de “em primeiro lugar, nunca
causar dano ou mal”.
Neste relatório você encontra:
- A disforia de gênero em crianças: esta discussão
transcende a ciência
- A disforia de gênero como fruto de uma identidade
interna sexuada inata
- Fatores pós-natais predominam no desenvolvimento e
persistência da DG
- A disforia de gênero como um transtorno mental
objetivo
- O protocolo que afirma a transgeneridade: qual é a
base de evidências
- Clínicas de gênero se multiplicam nos Estados
Unidos, a despeito da falta de evidências médicas
- O risco dos agonistas do GnRH
- Agonistas do GnRH, hormônios do sexo oposto e
infertilidade
- Riscos adicionais ligados aos hormônios do sexo
oposto
- O adolescente pós-púbere com disforia de gênero
- Impacto da redesignação sexual em adultos,
relacionado ao risco em crianças
- Recomendações para pesquisa
- Conclusão
- Referências
A disforia de gênero em crianças:
esta discussão transcende a ciência
“Gênero” é um termo que alude às características psicológicas e
culturais associadas ao sexo biológico.[1] É um conceito psicológico e um termo
sociológico, não biológico. A identidade de gênero diz respeito à consciência
que um indivíduo tem de ser homem ou mulher e às vezes é descrito como o
“gênero vivido” do indivíduo. A disforia de gênero (DG) na infância é um termo
que descreve uma condição psicológica na qual a criança sente uma incongruência
nítida entre o gênero que ela sente ter e o gênero associado a seu sexo
biológico. Essas crianças frequentemente manifestam a crença de que são do sexo
oposto.[2] O índice de prevalência de DG entre
crianças é estimado em menos de 1%.[3] Os índices de meninos e meninas
encaminhados a clínicas especializadas variam segundo a idade. Nas crianças
pré-adolescentes, a razão entre meninos e meninas varia entre 2:1 e 4,5:1.
Entre adolescentes, a razão entre pessoas de ambos os sexos é quase igual;
entre adultos, a razão entre homens e mulheres varia entre 1:1 e 6,1:1.[3].
A discussão sobre o tratamento a dar a crianças com DG é
sobretudo de natureza ética: ela diz respeito tanto à visão de mundo do médico
quanto à ciência. A medicina não ocorre em um vácuo moral; toda ação ou inação
terapêutica é fruto de um julgamento moral de alguma espécie que nasce da visão
de mundo filosófica do médico. A medicina tampouco ocorre em um vácuo político,
e estar do lado errado da política sexual pode encerrar consequências graves
para indivíduos que defendem a posição politicamente incorreta.
A título de exemplo, o Dr. Kenneth Zucker, reconhecido há muito
tempo como a maior autoridade em questões de gênero em crianças, também é e
sempre foi defensor dos direitos dos gays e transgêneros. Contudo, para a
grande consternação dos ativistas adultos em favor dos transgêneros, Zucker
acredita que as crianças pré-adolescentes com disforia de gênero são mais
beneficiadas quando as ajudamos a alinhar sua identidade de gênero com seu sexo
anatômico. Essa posição acabou lhe custando o cargo de diretor, que ele ocupava
havia 30 anos, da Clínica Infantil, Juvenil e Familiar de Identidade de Gênero
(GIC) do Centro de Adição e Saúde Mental, em Toronto.[4],[5]
Muitos críticos da supressão da puberdade defendem uma visão de
mundo teleológica moderna. Para eles, é autoevidente que existe uma intenção
proposital na natureza humana e que a cooperação com essa intenção leva ao
desabrochamento humano. Outros, contudo, se identificam como pós-modernistas
que rejeitam a teleologia. O que une os dois grupos é uma interpretação
tradicional da máxima de “em primeiro lugar, nunca causar dano ou mal”. Por
exemplo, existe uma comunidade online crescente de médicos, profissionais de
saúde mental e acadêmicos que defendem os gays e possuem uma página na internet
intitulada “First, do no harm: youth gender professionals”.
Eles escrevem:
Estamos preocupados com a tendência atual a rapidamente
diagnosticar e afirmar crianças e adolescentes como transgêneros,
frequentemente direcionando-os para a transição médica. […] Consideramos que
cirurgias e/ou tratamentos hormonais desnecessários, cuja segurança de longo
prazo ainda não foi comprovada, representam riscos importantes para crianças e
adolescentes. Políticas públicas que incentivam – direta ou indiretamente –
esse tratamento médico para crianças ou adolescentes que podem não ser capazes
de avaliar seus riscos e benefícios são altamente suspeitos, em nossa opinião.[6]
Contrastando com isso, os proponentes do paradigma
intervencionista médico também são pós-modernistas, mas têm uma visão subjetiva
do “em primeiro lugar, nunca causar dano ou mal”. A Dra. Johanna Olson Kennedy,
hebiatra do Hospital Infantil Los Angeles e líder das transições de gênero
pediátricas, já afirmou que “[em primeiro lugar, nunca causar dano ou mal] é
realmente subjetivo. Historicamente, estamos vindo de uma perspectiva altamente
paternalista […] em que os médicos realmente recebem o privilégio de decidir o
que fará ou não fará o mal. E, no mundo do gênero, isso é realmente
problemático.”[7] Não apenas ela afirma que “em
primeiro lugar, nunca causar dano ou mal” é subjetivo, como mais adiante ela
também afirma que deve ser deixado a cargo da criança decidir o que constitui
dano ou mal, com base em seus próprios pensamentos e sentimentos subjetivos.[7] Dada a imaturidade cognitiva e de
experiência da criança e do adolescente, o American
College of Pediatricians (o College) considera essa posição
altamente problemática e antiética.
A disforia de gênero como fruto de uma identidade
interna sexuada inata
O professor de assistência social Dr. William Brennan escreveu
que “o poder que a linguagem possui de colorir nossa visão da realidade é
profundo”.[8] É por essa razão que a engenharia
linguística sempre precede a engenharia social, mesmo na medicina. Muitos têm a
visão equivocada de que o gênero, no passado, significava sexo biológico.
Embora os termos frequentemente sejam usados de modo intercambiável, eles nunca
foram verdadeiros sinônimos. [9],[10]. As feministas do final dos anos 1960 e
da década de 1970 usavam o termo “gênero” para se referir a um “sexo social” da
pessoa, que poderia diferir de seu “sexo biológico”, para superar a
discriminação injusta das mulheres, que tinha raízes em estereótipos sexuais.
Essas feministas são as grandes responsáveis por terem generalizado o uso da
palavra “gênero” em lugar de “sexo”. Mais recentemente, em um esforço para
eliminar a heteronormatividade, os teóricos queer ampliaram
o gênero de modo a abranger mais de 50 categorias, fundindo o conceito de um
sexo social com as atrações sexuais.[9] Mas nenhum dos usos reflete o sentido
original do termo.
A maioria das crianças aceita seu
sexo biológico até o final da adolescência
Antes da década de 1950, o gênero se aplicava apenas à
gramática, não às pessoas.[9],[10] As línguas de origem latina
classificam os substantivos e seus qualificadores como masculinos ou femininos,
e por essa razão essas palavras ainda são descritas como tendo um gênero. Isso
mudou nas décadas de 1950 e 1960, quando os sexólogos perceberam que sua agenda
de redesignação sexual não poderia ser defendida suficientemente usando os
termos “sexo” e “transexual”. Do ponto de vista puramente científico, os seres
humanos possuem um sexo biologicamente determinado e diferenças sexuais inatas.
Nenhum sexólogo pode mudar os genes de uma pessoa através de hormônios e
cirurgia. A troca de sexo é objetivamente impossível.
A solução encontrada pelos sexólogos foi apropriar-se da palavra
“gênero” e atribuir a ela um novo sentido que se aplicava às pessoas. John
Money, PhD, foi um dos mais destacados desses sexólogos que redefiniram o
gênero para que significasse “a atuação sexual indicativa de uma identidade
interna sexuada’.[10] Essencialmente, esses sexólogos
inventaram a fundamentação ideológica necessária para justificar seu tratamento
do transexualismo com cirurgias de redesignação sexual e chamaram a isso de
gênero. É essa ideologia fabricada pelo homem de uma “identidade interna
sexuada” que hoje domina a medicina, a psiquiatria e o mundo acadêmico. Esta
história linguística deixa claro que o gênero não é e nunca foi uma realidade
biológica ou científica. Em vez disso, o gênero é um conceito social e
politicamente construído.
Em seu estudo “Overview of Gender Development and Gender
Nonconformity in Children and Adolescents” (Panorama geral do desenvolvimento de
gênero e da inconformidade de gênero em crianças e adolescentes), Forcier e
Olson-Kennedy rejeitam o modelo binário da sexualidade humana, descrevendo-a
como uma “ideologia”, e apresentam uma “visão alternativa” da “identidade de
gênero inata”, que se apresenta ao longo de um ”contínuo de gênero”. Eles
recomendam que os pediatras digam aos pais que o “gênero verdadeiro” da criança
é aquele que a criança sente que é, porque “o cérebro e o corpo da criança
podem não estar em sintonia”.[11]
A alegação feita por Forcier e Olson-Kennedy de uma discordância
inata entre o cérebro e o corpo de uma criança vem de imagens de difusão por
ressonância magnética que demonstram que o aumento da testosterona em meninos
na puberdade aumenta o volume de substância branca, além de estudos dos
cérebros de adultos que se identificam como transgêneros. Um estudo de Rametti
e colegas constatou que a microestrutura de substância branca dos cérebros de
adultos transexuais de mulher a homem (MaH) que ainda não haviam iniciado
tratamento com testosterona era mais semelhante à de homens que à de mulheres.[12] Outros estudos com imagens de
difusão por ressonância magnética concluíram que a microestrutura de substância
branca nos transexuais MaH e homem a mulher (HaM) está a meio caminho entre os
de mulheres e homens genéticos.[13]
Seres humanos possuem um sexo
biologicamente determinado e diferenças sexuais inatas
Mas esses estudos têm significado clínico questionável, devido
ao número pequeno de sujeitos e à existência de neuroplasticidade. Este
é um fenômeno fartamente constatado em que comportamentos de longo prazo
modificam a microestrutura cerebral. Não há evidências de que as pessoas nasçam
com microestruturas cerebrais que são imutáveis para sempre, mas há evidências
importantes de que a experiência modifica a microestrutura cerebral.[14] Portanto, se e quando forem
identificadas diferenças válidas nos cérebros de transgêneros, é provável que
elas serão um fruto do comportamento transgênero, não sua causa. O que é mais
importante, contudo, é o fato de que os cérebros de todos os bebês do sexo
masculino são masculinizados antes do nascimento por sua própria testosterona
endógena, que é liberada por seus testículos a partir de aproximadamente oito
semanas de gestação. As bebês meninas não possuem testículos, é claro, logo não
têm seus cérebros masculinizados por testosterona endógena. [15],[16],[17] Por essa razão, tirando a hipótese de
uma das raras desordens de desenvolvimento sexual (DDSs), os meninos não nascem
com cérebro feminizado e as meninas não nascem com cérebro masculinizado.
Os geneticistas comportamentais sabem há décadas que, enquanto
genes e hormônios influenciam o comportamento, eles não predeterminam que uma
pessoa tenha que pensar, sentir-se ou se comportar de determinada maneira. A
ciência da epigenética constatou que os genes não são análogos a “modelos”
rígidos de comportamento. Na realidade, os humanos “desenvolvem características
através do processo dinâmico de interação entre genes e ambiente (…) [os genes
por si sós] não determinam quem somos.”[18] Com relação à etiologia do
transgenerismo, estudos de gêmeos feitos com transexuais adultos provam
definitivamente que a influência genética e hormonal pré-natal é mínima.
Estudos de gêmeos são instrumentais para elucidar o grau em que
uma característica é biologicamente determinada antes do nascimento. Como os
gêmeos monozigóticos são concebidos com exatamente o mesmo DNA e são expostos
ao mesmo ambiente pré-natal, as características que são determinadas unicamente
pelos genes e/ou o ambiente pré-natal se manifestam 100% do tempo em ambos os
gêmeos idênticos. A raça é um exemplo de uma característica que gêmeos
idênticos compartilham 100% do tempo porque é determinada exclusivamente pelos
genes.
O maior estudo de transexuais realizado com gêmeos até agora
examina 110 pares de gêmeos e foi publicado pelo Dr. Milton Diamond na edição
de maio de 2013 do International Journal of Transgenderism. [19] A Tabela 5 documenta que o número de
pares de gêmeos monozigóticos concordantes para o transexualismo é maior que o
de pares de gêmeos dizigóticos. Isso sugere uma possível predisposição
biológica à disforia de gênero. Mas o dado mais significativo do estudo é o
número pequeno de pares de gêmeos monozigóticos concordantes (ou seja, em que
ambos sejam transexuais). Apenas 21 pares de gêmeos
monozigóticos de um total de 74 pares monozigóticos (ou seja, 28%) foram
concordantes em transexualismo; os
72% restantes dos gêmeos idênticos foram discordantes em transexualismo. Isso
significa que pelo menos 72% dos fatores responsáveis pelo transexualismo em um
gêmeo e não no outro ocorrem após nascimento e não são biológicos.
Um índice tão alto de discordância entre gêmeos idênticos prova
que ninguém nasce predeterminado a apresentar disforia de gênero e muito menos
a identificar-se como transgênero ou transexual. Isso condiz com o índice muito
alto de resolução da disforia de gênero documentado entre crianças e
adolescentes quando não foram incentivadas a fazer-se passar por pessoas do
sexo oposto. O baixo índice de concordância também respalda a teoria de que a
DG persistente se deve principalmente ao impacto de influências ambientais não
compartilhadas sobre certas crianças biologicamente vulneráveis. Para que fique
claro, bastam os estudos com gêmeos para esclarecer que a “perspectiva
alternativa” de uma “identidade de gênero inata” que teria origem em cérebros
“feminilizados” ou “masculinizados” presos no corpo errado é, de fato, uma
crença ideológica que não tem base na ciência rigorosa.
Já uma visão teleológica binária da sexualidade humana é
compatível com a realidade biológica. A regra é que o
organismo humano seja concebido como masculino ou feminino. Os pares de
cromossomos sexuais “XY” e “XX” são determinantes genéticos do sexo,
respectivamente masculino e feminino. Não são marcadores genéticos de um corpo
desordenado ou um defeito de nascimento. A sexualidade binária é binária por
sua própria concepção, sendo a finalidade a reprodução de nossa espécie. Esse
princípio é autoevidente. Tirando uma das raras desordens do desenvolvimento
sexual (DDSs), nenhum bebê tem um sexo ou gênero “atribuído” a ele ao nascer;
pelo contrário, o sexo visto no nascimento se declara “in utero” e é claramente
evidente e reconhecido no nascimento.
As raríssimas DDSs, que incluem mas não se limitam à síndrome da
insensibilidade androgênica e hiperplasia adrenal congênita, são todas desvios
medicamente identificáveis da normalidade sexual binária humana. Diferentemente
dos indivíduos com genótipo e eixo hormonal normais que se identificam como
“transgêneros”, as pessoas com DDS possuem uma condição biológica inata. A
designação sexual de indivíduos com DDS é complexa e depende de uma variedade
de fatores genéticos, hormonais e físicos. Mesmo assim, a declaração consensual
de 2006 da Intersex Society of North America não
endossou a DSD como um terceiro sexo.[20]
Fatores pós-natais predominam no
desenvolvimento e persistência da DG
Estudos realizados com gêmeos idênticos demonstram que eventos
pós-natais não compartilhados (ou seja, fatores ambientais) predominam no
desenvolvimento e persistência da disforia de gênero. Isso não surpreende, já
que é amplamente aceito que o desenvolvimento emocional e psicológico da
criança é influenciado por experiências positivas e negativas da primeira
infância em diante. Os relacionamentos familiares e com pares, a escola e o
bairro, a experiência de qualquer tipo de abuso, a exposição à mídia, doenças
crônicas, guerra e desastres naturais, todos esses são exemplos de fatores
ambientais que impactam o desenvolvimento emocional, social e psicológico do
indivíduo. Não existe uma dinâmica familiar única, situação social,
acontecimento adverso ou combinação dos fatores anteriores que se tenha
descoberto que destine qualquer criança a desenvolver DG. Esse fato, somado aos
estudos com gêmeos, sugere que existem muitos caminhos que podem levar à DG em
certas crianças biologicamente vulneráveis.
Crença ideológica que não tem base
na ciência rigorosa
A literatura especializada sobre a etiologia e o tratamento
psicoterapêutico de DG infantil é fundamentada fortemente em estudos de casos
clínicos. Esses estudos sugerem que o reforço social, a psicopatologia
parental, a dinâmica familiar e o contágio social facilitado pela mídia
convencional e as redes sociais, tudo isso contribui para o desenvolvimento
e/ou persistência de DG entre algumas crianças e adolescentes vulneráveis. É
possível que existam outros fatores ainda não reconhecidos que contribuam para
isso, também.
A maioria dos pais de crianças com DG se recorda que sua reação
inicial ao ver seu filho vestir roupas do sexo oposto e apresentar outros
comportamentos do sexo oposto foi de tolerância e/ou incentivo. Às vezes, a
psicopatologia parental está à raiz do reforço social. Por exemplo, um pequeno
subgrupo das mães de meninos com DG que tinham desejado ter filhas meninas
sofreu algo que foi descrito como “tristeza patológica de gênero”. Dentro desse
subgrupo, o desejo da mãe de ter tido uma filha foi exteriorizado com a mãe
vestindo seu filho como menina. Essas mães geralmente sofriam de depressão
grave que era aliviada quando seus filhos se vestiam e agiam de maneira
feminina.[21]
Um grande conjunto de literatura clínica documenta que pais de
meninos femininos relatam passar menos tempo com seus filhos de 2 a 5 anos,
comparados aos pais de meninos do grupo de controle. Isso condiz com dados que
revelam que meninos femininos sentem mais proximidade com sua mãe que com seu
pai. Em seus estudos clínicos de meninos com DG, Stoller observou que a maioria
tem um relacionamento muito íntimo com sua mãe e um relacionamento distante e
periférico com seu pai. Ele postulou que a DG em meninos é “uma suspensão do
desenvolvimento (…) em que uma simbiose mãe-filho pequeno excessivamente
estreita e gratificante, não perturbada pela presença do pai, impede o menino
de separar-se adequadamente do corpo e comportamento feminino de sua mãe.”[21]
Já foi constatado também que, entre crianças com DG, o índice de
psicopatologia materna, especialmente de depressão e transtorno bipolar, é
“alto segundo qualquer padrão”. Além disso, a maioria dos pais de meninos com
DG sente-se ameaçada facilmente, manifesta dificuldade com a regulação de seus
afetos e possui um senso interno de inadequação. Esses pais geralmente lidam
com seus conflitos dedicando-se excessivamente ao trabalho ou distanciando-se
de sua família de outra maneira. Frequentemente os pais não se dão apoio mútuo
e têm dificuldade em resolver seus conflitos conjugais. Isso produz um ambiente
intensificado de conflito e hostilidade. Nessa situação, o menino fica cada vez
mais inseguro em relação a seu próprio valor, devido à raiva ou à apatia da mãe
e ao fato de seu pai não interceder. A ansiedade e insegurança do menino se
intensificam, assim como sua raiva, e tudo isso pode resultar em sua
incapacidade de identificar-se com seu próprio sexo biológico.[22]
Não há estudos sistemáticos sobre meninas com DG e o
relacionamento entre pais e filha. Contudo, observações clínicas sugerem que o
relacionamento entre mãe e filha mais frequentemente é distante e marcado por
conflitos, algo que pode levar a filha a desidentificar-se com a mãe. Em outros
casos, a masculinidade é elogiada por seus pais, enquanto a feminilidade é desvalorizada.
Já houve casos, também, em que filhas têm medo do pai, que pode manifestar
raiva explosiva em relação à mãe, chegando à violência física. Uma menina pode
apreender o fato de ser mulher como algo que não lhe garante segurança e
defender-se contra isso sentindo que na realidade ela é menino, acreditando
subconscientemente que, se fosse menino, seria amada por seu pai e não seria
alvo de sua raiva.[21]
Há evidências de que psicopatologias e/ou diversidades de
desenvolvimento podem precipitar a DG entre adolescentes, especialmente entre
mulheres jovens. Pesquisas recentes documentaram um número crescente de
adolescentes que comparecem a clínicas de identidade de gênero de adolescentes
e pedem redesignação sexual (RS). Kaltiala-Heino e colegas procuraram descrever
os candidatos adolescentes à redesignação sexual legal e médica durante os dois
primeiros anos de funcionamento de uma clínica de identidade de gênero de
adolescentes na Finlândia, em termos de fatores sociodemográficos,
psiquiátricos e de identidade de gênero e de desenvolvimento adolescente. Eles
realizaram uma revisão retrospectiva quantitativa estruturada e uma análise
qualitativa dos estudos de caso de todos os candidatos adolescentes à RS que
entraram para avaliação até o final de 2013. Constataram que o número de
encaminhamentos superou as expectativas, à luz do conhecimento epidemiológico.
Entre os candidatos à redesignação sexual se verificou um predomínio marcante
de adolescentes nascidas meninas. Eram comuns os casos de psicopatologias
graves que antecederam a manifestação da DG. Muitos dos jovens estavam no
espectro do autismo. Essas descobertas não correspondem à imagem comumente
aceita de um adolescente ou criança com disforia de gênero. Os pesquisadores
concluíram que as diretrizes de tratamento precisam avaliar a DG em menores de
idade no contexto de dificuldades psicopatológicas e de desenvolvimento graves.[23]
Segundo evidências anedóticas, existe também uma tendência
crescente entre adolescentes de se autodiagnosticarem como transgênero depois
de passar períodos prolongados em sites de mídia social como Tumblr, Reddit e
YouTube. Isso sugere que o contágio social também pode ser um fator em jogo. Em
muitas escolas e comunidades, grupos inteiros de pares estão “saindo do
armário” como transgêneros ao mesmo tempo.[6] Finalmente, merece ser investigada
uma ligação causal entre acontecimentos adversos na infância, incluindo abuso
sexual, e o transgenerismo. É reconhecido há muito tempo que existe uma
coincidência entre discordância de gênero na infância e orientação homossexual
na idade adulta.[24] Existe também um grande conjunto de
artigos da literatura especializada que documenta uma prevalência maior de
eventos adversos na infância e abuso sexual entre adultos homossexuais, em
comparação com adultos heterossexuais. Andrea Roberts e colegas publicaram em
2013 um estudo que constatou que “entre metade e todo o risco elevado de abuso
infantil entre pessoas com sexualidade homossexual, comparadas a
heterossexuais, se deve aos efeitos do abuso sobre a sexualidade”.[25] É possível, portanto, que alguns
indivíduos desenvolvam DG e mais tarde reivindiquem identidade transgênero em
consequência de maus-tratos e/ou abuso sexual sofridos na infância. Esta é
uma área que precisa ser estudada.
A disforia de gênero como um transtorno mental objetivo
A psicologia vem rejeitando cada vez mais o conceito de normas
para a saúde mental, focalizando, em vez disso, o sofrimento emocional. A American
Psychiatric Association (APA), por exemplo, explica, na
quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais), que a DG consta do manual não devido à discrepância entre os
pensamentos do indivíduo e a realidade física, mas devido à presença de
sofrimento emocional que dificulta seu funcionamento social. O DSM-5 também
observa que é preciso um diagnóstico para que os planos de saúde paguem por
hormônios do sexo oposto e cirurgia de redesignação sexual (CRS) para aliviar o
sofrimento emocional causado pela DG. Uma vez aliviado o sofrimento, a DG deixa
de ser considerada um transtorno.[2]
Esse raciocínio é problemático. Considere os seguintes exemplos:
uma garota com anorexia nervosa acredita de maneira fixa e equivocada que é
obesa; uma pessoa com transtorno dismórfico corporal (TDC) tem a convicção
errônea de que é feia; uma pessoa com transtorno de identidade de integridade
corporal (TIIC) se identifica como deficiente física e sente-se presa em um
corpo plenamente funcional. Indivíduos com TIIC frequentemente se sentem tão
aflitos com seu corpo plenamente funcional que procuram amputar cirurgicamente
seus braços ou pernas saudáveis ou cortar sua medula espinhal.[26] A Dra. Anne Lawrence, que é
transgênero, já argumentou que o TIIC possui muitos paralelos com a DG.[27] Assim como a DG, as crenças falsas
acima citadas não apenas geram sofrimento emocional para o indivíduo como põem
sua vida em risco. Em cada caso, uma cirurgia para “afirmar” a premissa falsa
(liposucção para a anorexia, cirurgia plástica para o TDC, amputação ou
paraplegia cirurgicamente induzida para o TIIC) pode muito bem aliviar o
sofrimento emocional da pessoa, mas não ajudará em nada a resolver o problema
psicológico subjacente e pode ter como consequência a morte do paciente. Se for
completamente desligada da realidade física, a arte da psicoterapia vai perder
espaço, à medida que o campo da psicologia se converterá cada vez mais em uma
especialidade médica intervencionista, com resultados devastadores para os
pacientes.
Adolescentes se autodiagnosticam
transgênero após passarem muito tempo em sites de mídia social
A alternativa seria buscar definir um padrão mínimo. A
normalidade já foi definida como “aquilo que funciona conforme seu desígnio”.[28] Uma das principais funções do
cérebro é apreender a realidade. Os pensamentos que estão em conformidade com a
realidade física são normais. Os pensamentos que se desviam da realidade física
são anormais – além de potencialmente serem nocivos ao indivíduo ou a outros.
Isso é fato quer ou não o indivíduo que possui os pensamentos anormais sinta
sofrimento. Quando uma pessoa acredita que é algo ou alguém que não é,
trata-se, na melhor das hipóteses, de pensamento confuso, e, na pior, de uma
ilusão, algo irreal. O simples fato de uma pessoa
pensar ou sentir alguma coisa não faz com que essa coisa seja realidade. Isso
seria fato mesmo que os pensamentos anormais fossem biologicamente
“predeterminados”.
O normal no desenvolvimento humano é que os pensamentos do
indivíduo se alinhem com a realidade física; que a identidade de gênero do
indivíduo corresponda a seu sexo biológico. As pessoas que dizem “sentir-se
como se fossem do sexo oposto” ou “sentir-se em algum ponto intermediário” ou
alguma outra categoria não formam um terceiro sexo. Elas continuam a ser homens
ou mulheres, em termos biológicos. A disforia de gênero é um problema que está
na mente, não no corpo. Crianças e adolescentes com DG não possuem um corpo
desordenado, mesmo que seja isso o que sentem. Do mesmo modo, a aflição de uma
criança diante do desenvolvimento das características sexuais secundárias não
significa que a puberdade deva ser vista como uma doença a ser interrompida,
porque a puberdade não é, na realidade, uma doença. Do mesmo modo, embora
muitos homens com DG expressem a ideia de que são “uma essência feminina” presa
em um corpo de homem, essa crença não possui base científica.
Até pouco tempo atrás, a visão de mundo prevalecente com relação
à DG infantil era que ela refletia um pensamento anormal ou confusão por parte
da criança, algo que pode ou não ser transitório. Consequentemente, a abordagem
padrão consistia ou em observar e aguardar ou em procurar psicoterapia familiar
e individual.[1],[2] Os objetivos da terapia eram tratar a
patologia familiar, se estivesse presente, tratar quaisquer morbidezes
psicossociais na criança e ajudar a criança a alinhar sua identidade de gênero
com seu sexo biológico.[21],[11] Especialistas de ambos os lados do
debate sobre a supressão da puberdade concordam que, nesse contexto, entre 80%
e 95% das crianças e dos adolescentes com DG aceitam seu sexo biológico até o
final da adolescência.[29] Essa visão de mundo começou a mudar,
contudo, quando os ativistas transgêneros adultos passaram cada vez mais a
promover a narrativa da “essência feminina”, visando conquistar aceitação
social.[10] Em 2007, no mesmo ano em que o Boston
Children’s Hospital abriu a primeira clínica pediátrica de gênero, o Dr. J.
Michael Bailey escreveu:
A visão cultural predominante hoje do transexualismo de homem a
mulher é que todos os transexuais homens a mulher (HaM) são, em essência,
mulheres presas dentro de um corpo de homem. Essa visão tem pouca base
científica, porém, e não condiz com as observações clínicas. Ray Blanchard
demonstrou que existem dois subtipos distintos de transexuais HaM. Os membros
de um dos subtipos, os transexuais homossexuais, podem ser entendidos melhor
como um tipo de homem homossexual. Os membros do outro subtipo, o dos
transexuais autoginefílicos, são motivados pelo desejo erótico de tornar-se
mulheres. Embora seja explicável, a persistência da visão cultural predominante
é prejudicial à ciência e a muitos transexuais.[30]
Com a persistência da visão da chamada “essência feminina”, o
sofrimento de adultos transgêneros foi evocado para defender que as crianças
fossem resgatadas com urgência do mesmo destino, através da identificação
precoce, afirmação e supressão da puberdade. Hoje
se alega que a discriminação, violência, psicopatologia e suicídio são consequências
diretas e inevitáveis de se negar a afirmação social a uma criança com disforia
de gênero e impedir seu acesso a bloqueadores de puberdade ou hormônios do sexo
oposto.[31] No entanto, o fato de que de 80% a
95% dos adolescentes com disforia de gênero emergem física e psicologicamente
intactos depois de passarem pela puberdade sem afirmação social refuta essa
visão.[29] Ademais, mais de 90% das pessoas que
morrem de suicídio têm uma doença mental diagnosticada.[32] Não há evidências de que crianças e
adolescentes com disforia de gênero que cometem suicídio sejam diferentes. Por
essa razão, a base para a prevenção do suicídio deve ser a mesma para eles
quanto é para todas as crianças e os adolescentes: identificação e tratamento
precoce de co-morbidezes psicológicas.
Apesar disso, existem hoje nos Estados Unidos 40 clínicas de
gênero que promovem a supressão da puberdade e tratam crianças e adolescentes
com hormônios do sexo oposto. A lógica da supressão da puberdade é dar à
criança com disforia de gênero tempo para explorar sua identidade de gênero sem
o sofrimento emocional desencadeado pelo surgimento das características sexuais
secundárias. Os padrões seguidos nessas clínicas se baseiam em “opiniões
especializadas”. Não existe um único estudo controlado grande
e randomizado que documente os alegados benefícios e potenciais danos da
supressão da puberdade e de décadas de tratamento hormonal dados a crianças e
adolescentes com disforia de gênero. Tampouco existe um único
estudo grande, randomizado, controlado e de longo prazo que compare os
resultados de diversas intervenções psicoterapêuticas em casos de DG infantil
com os resultados da supressão da puberdade seguida por décadas de ingestão de
esteroides sintéticos tóxicos. Em nossa era atual de “medicina baseada em
evidências”, esse fato deveria fazer todos pararem para refletir. Um fato mais
preocupante é que a supressão da puberdade no estágio 2 da escala de Tanner
(geralmente aos 11 anos de idade), seguida pelo uso de hormônios do sexo
oposto, deixará essas crianças estéreis e sem tecido gonadal ou gametas
disponíveis para crio-preservação.[33],[34],[35]
Passar pelo sexo posto vai alterar
de alguma maneira a estrutura e função do cérebro da criança
A neurociência documenta claramente que o cérebro adolescente é
cognitivamente imaturo e, antes de a pessoa chegar a entre o início e meados da
casa dos 20 anos, não possui a capacidade adulta necessária para fazer uma
avaliação de riscos.[36] Existe um problema ético sério em
permitir que sejam realizados procedimentos irreversíveis e que transformam a
vida em menores de idade que são jovens demais para poderem dar um
consentimento válido eles próprios. Essa exigência ética do
consentimento informado é fundamental para a prática da medicina,
conforme enfatiza o site do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA:
“O consentimento voluntário do sujeito humano é absolutamente essencial”.[37] Ademais, quando um indivíduo é
esterilizado, mesmo quando isso ocorre como consequência secundária de uma
terapia, sem ter dado seu consentimento pleno, livre e informado, ocorre uma
violação da lei internacional.[38]
O protocolo que afirma a transgeneridade: qual é a base de
evidências
Nas duas últimas décadas, a Hayes Inc. tornou-se uma firma de
pesquisas e consultoria internacionalmente reconhecida que avalia uma ampla
gama de tecnologias médicas para determinar seu impacto sobre a segurança dos
pacientes, seus resultados sobre a saúde dos pacientes e a utilização de
recursos. A empresa realizou uma revisão e avaliação abrangente da literatura
científica sobre o tratamento da DG em adultos e crianças em 2014. Ela concluiu
que “embora evidências sugiram benefícios positivos” das cirurgias de
redesignação sexual em adultos com disforia de gênero, “limitações sérias
[inerentes à pesquisa] permitem apenas conclusões fracas”.[39] A Hayes Inc. considerou o uso de
hormônios do sexo oposto em adultos com disforia de gênero como sendo baseado
em evidências de qualidade “muito baixa”:
Estudos múltiplos não demonstraram melhorias estatisticamente
significativas para a maioria dos resultados. As evidências sobre qualidade de
vida e função em adultos homem a mulher (HaM) foram muito esparsas. As
evidências em favor de medidas menos abrangentes de bem-estar em adultos que
receberam terapia hormonal do sexo oposto foram diretamente aplicáveis a
pacientes com DG, mas muito esparsas e/ou conflitantes. Os estudos não permitem
conclusões de causalidade e, em sua maioria, tiveram fraquezas em sua execução.
Há riscos de saúde potencialmente de longo prazo associados à terapia hormonal,
mas nenhum deles foi comprovado ou excluído conclusivamente.[40]
Com relação ao tratamento de crianças com DG usando agonistas do
hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH) e hormônios do sexo oposto, a Hayes,
Inc. atribuiu sua nota mais baixa, indicando que a literatura especializada “é
escassa demais e os estudos existentes são demasiado limitados para sugerir
conclusões.”[40]
Clínicas de gênero se multiplicam nos Estados Unidos, a
despeito da falta de evidências médicas
Em 2007, o Dr. Norman Spack, endocrinologista pediátrico e
fundador da primeira clínica de gênero do país, no hospital Boston Children’s,
lançou o paradigma da supressão da puberdade nos Estados Unidos.[41] Ela consiste em primeiramente
afirmar o autoconceito falso da criança, instituindo mudanças de nome e pronome
e ajudando a criança a fazer-se passar por uma pessoa do sexo oposto, dentro e
fora de sua casa. Em seguida, a puberdade em crianças com apenas 11 anos é
suprimida com agonistas do GnRH, e finalmente, aos 16 anos, os pacientes podem
começar a tomar hormônios do sexo oposto, preparando-se para a cirurgia de
redesignação sexual quando chegarem à idade adolescente mais velha ou à idade
adulta.[42] As diretrizes da Sociedade de
Endocrinologia hoje proíbem o uso de hormônios do sexo oposto antes dos 16 anos
de idade, mas essa proibição está sendo revista.[43] Alguns
especialistas de gênero já estão passando ao largo da supressão da puberdade e,
em vez disso, encaminhando crianças com apenas 11 anos diretamente ao
tratamento com hormônios do sexo oposto.[44] A explicação apresentada é que a
criança passará pelo desenvolvimento púbere do sexo desejado e, com isso,
poderá evitar o sofrimento emocional iatrogênico decorrente de manter uma
aparência pré-púbere enquanto seus pares seguem sua trajetória natural de
puberdade.
Em 2014, existiam 24 clínicas de gênero concentradas
principalmente na costa leste dos EUA e na Califórnia; um ano mais tarde havia
40 distribuídas pelo país. A Dra. Ximena Lopez, endocrinologista pediátrica
no Children’s Medical Center Dallas e
membro do programa Genecis (Educação e Assistência
de Gênero, Apoio Interdisciplinar) desse centro, declarou: “[O uso deste
protocolo] vem aumentando rapidamente. E a razão principal disso é que pais o
estão exigindo e levando pacientes aos endocrinologistas pediátricos, porque
sabem que esse serviço está disponível.”[45] Vale notar que a razão principal do
uso aumentado do protocolo é a demanda por parte dos pais, e não a medicina
baseada em evidências.
O risco dos agonistas do GnRH
Os agonistas do GnRH usados para suprimir a puberdade em
crianças com disforia de gênero incluem dois que são aprovados para o
tratamento da puberdade precoce: a leuprolida por injeção intramuscular em
doses mensais ou trimestrais, e a histrelina, um implante subcutâneo com
dosagem anual.[34] Além de prevenir o desenvolvimento
das características sexuais secundárias, os agonistas do GnRH sustam o
crescimento ósseo, reduzem a acreção óssea, previnem a organização dependente
de esteroides sexuais e a maturação do cérebro adolescente e inibem a
fertilidade, ao impedir o desenvolvimento de tecido gonadal e de gametas
maduros, pela duração do tratamento. Se a criança interromper o uso de
agonistas do GnRH, ocorrerá a puberdade. [34],[42] Consequentemente, a Sociedade de
Endocrinologia afirma que os agonistas do GnRH, além de o paciente viver
socialmente como pessoa do sexo oposto, são intervenções plenamente reversíveis
que não encerram risco de causar dano permanente a crianças.[42] Mas a teoria da aprendizagem social,
a neurociência e o único estudo de acompanhamento de longo prazo de
adolescentes que passaram pela supressão de puberdade, visto abaixo, contestam
essa afirmação.
Não existe estudo que documente
benefícios e danos da supressão da puberdade
Em um estudo de acompanhamento de seus primeiros candidatos
pré-púberes a receber tratamento de supressão da puberdade, De Vries e colegas
documentaram que todos os sujeitos acabaram por adotar identidade transgênero e
a pedir hormônios do sexo oposto.[46] É preocupante. Normalmente 80% a 95%
das crianças pré-púberes com DG não continuam a apresentar DG. O fato de
que 100% das crianças pré-púberes tenham escolhido tomar hormônios do sexo
oposto sugere que o próprio protocolo conduz o indivíduo inevitavelmente a
identificar-se como transgênero.
Existe algo evidentemente autorrealizado quando incentivamos uma
criança com DG a fazer-se passar socialmente por uma pessoa do sexo oposto e
depois instituímos a supressão de sua puberdade. Em vista do fenômeno amplamente
constatado da neuroplasticidade, o comportamento reiterado de fazer-se passar
pelo sexo oposto vai alterar de alguma maneira a estrutura e função do cérebro
da criança, potencialmente de uma maneira que reduza a probabilidade de sua
identidade alinhar-se com seu sexo biológico. Isso, somado à supressão da
puberdade, que impede a masculinização ou feminilização endógena adicional do
cérebro, leva a criança a permanecer ou como menino pré-púbere de gênero
inconforme disfarçado de menina pré-púbere, ou o inverso. Como seus pares vão
se desenvolver normalmente, convertendo-se em homens ou mulheres jovens, essas
crianças ficam psicossocialmente isoladas. Elas serão menos capazes de
identificar-se como sendo a pessoa biologicamente masculina ou feminina que são
na realidade. Um protocolo de fazer-se passar pelo sexo oposto e de supressão
da puberdade, que desencadeia um único resultado inevitável (a identificação
transgênero) que exige o uso vitalício de hormônios sintéticos tóxicos, que
produzem infertilidade, não é nem plenamente reversível nem isento de danos.
Agonistas do GnRH,
hormônios do sexo oposto e infertilidade
Como os agonistas do GnRH impedem a maturação do tecido gonadal
e dos gametas em ambos os sexos, os jovens que, depois de passar pela supressão
da puberdade no estágio 2 da escala de Tanner, são submetidos a tratamento com
hormônios do sexo oposto serão convertidos em inférteis, sem
qualquer possibilidade de terem filhos genéticos no futuro,
porque não vão possuir os tecidos gonadais e gametas que possam ser
criogenicamente preservados. O mesmo resultado ocorrerá se crianças pré-púberes
receberem hormônios diretamente, sem a anterior supressão da puberdade.
Adolescentes mais velhos que tenham rejeitado a supressão da puberdade são
aconselhados a cogitar a possibilidade de conservação criogênica de seus
gametas antes de iniciarem o tratamento com hormônios do sexo oposto. Isso lhes
permitirá conceber filhos genéticos no futuro, por meio de tecnologia
reprodutiva artificial. Embora existam casos documentados de adultos
transgêneros que interromperam o tratamento com hormônios do sexo oposto para
que seu corpo pudesse produzir gametas, conceber e ter um filho, não existe
garantia absoluta de que essa seja uma opção viável no longo prazo. Ademais, os
indivíduos transgênero que passam por cirurgia de redesignação sexual e têm
seus órgãos reprodutivos extirpados tornam-se permanentemente inférteis.[34],[35],[36]
Riscos adicionais ligados aos hormônios do sexo
oposto
Os riscos potenciais de se tratar crianças com DG com hormônios
do sexo oposto se baseiam na literatura especializada relativa a adultos. Vale
lembrar que, nessa literatura relativa a adultos, o estudo Hayes afirma: “Existem
riscos de segurança potencialmente de longo prazo ligados à terapia hormonal,
mas nenhum deles foi comprovado ou excluído conclusivamente”.[40] Por exemplo, a maioria dos
especialistas concorda que o risco de doença arterial coronariana entre adultos
HaM é mais alto quando tomam etinil estradiol via oral; por esse motivo, são
recomendadas formulação estrogênicas alternativas. Mas um estudo de adultos HaM
que utilizaram produtos alternativos constatou um risco aumentado semelhante.
Portanto, esse risco não foi nem comprovado nem excluído.[47],[48],[49] As crianças que fazem a transição
para o sexo oposto vão precisar tomar esses hormônios por um tempo muito maior
que os adultos. Consequentemente, a probabilidade de elas sofrerem morbidezes
fisiologicamente teóricas, embora raramente observadas, é maior que a dos
adultos. Levando em conta essas reservas, é mais exato dizer que a ingestão de
estrogênio por via oral por meninos pode deixá-los em risco de sofrer:
trombose/tromboembolismo; doença cardiovascular; ganho de peso;
hipertrigliceridemia; hipertensão; redução na tolerância à glicose; doenças
vesiculares, prolactinoma e câncer de mama.[47],[48],[49] Do mesmo modo, meninas que recebem
testosterona podem sofrer um risco elevado de: HDL baixo e triglicérides
elevados; níveis aumentados de homocisteína; hepatotoxicidade; policitemia;
risco aumentado de apneia do sono; resistência à insulina, e efeitos
desconhecidos sobre os tecidos mamários, endométricos e ovarianos.[47],[48],[49] Além disso, meninas podem legalmente
submeter-se à mastectomia com apenas 16 anos, depois de fazerem tratamento com
testosterona por um ano, e essa cirurgia carrega seu conjunto próprio de riscos
irreversíveis.[34]
O adolescente pós-púbere com disforia de gênero
Como foi destacado anteriormente, de 80% a 95% das crianças
pré-púberes com DG verão sua condição se resolver até o final da adolescência,
se não forem expostas à afirmação social e intervenção médica. Isso significa
que entre 5% e 20% persistirão com a DG até o início da idade adulta. Não
existe, no momento, nenhum exame médico ou psicológico para determinar quais
crianças vão persistir com a DG na idade adulta jovem. As crianças pré-púberes
com DG que persistem com a DG além da puberdade também apresentam probabilidade
maior de persistir até a idade adulta. Por essa razão, a Sociedade de
Endocrinologia e outras, incluindo o Dr. Zucker, consideram razoável afirmar a
transgeneridade dos adolescentes que persistem com a DG após a puberdade, além
dos que começam a apresentar a DG após a puberdade, e iniciar com eles o
tratamento com hormônios do sexo oposto aos 16 anos de idade.[42]
O College discorda pelas seguintes razões. Primeiro, nem todos
os adolescentes com DG vão inevitavelmente se identificar com transgênero no
futuro, mas a ingestão de hormônios do sexo oposto vai inevitavelmente gerar
mudanças irreversíveis em todos os pacientes. Em segundo lugar, o adolescente
jovem simplesmente não possui maturidade suficiente para tomar decisões médicas
importantes. O cérebro adolescente não alcança a capacidade de fazer uma
avaliação de riscos plena antes de chegar ao início a meados da casa dos 20
anos. Há um problema ético importante em permitir que menores de idade recebam
intervenções médicas que mudarão sua vida de modo irreversível, incluindo o
tratamento com hormônios do sexo oposto e, no caso de meninas no nascimento, a
mastectomia bilateral, quando ainda não são capazes de dar o consentimento
informado sozinhos.
Como foi dito anteriormente, o College também vê com preocupação a
tendência crescente entre adolescentes de se autodiagnosticarem como
transgêneros após passarem períodos longos em sites de mídia social. Muitos
desses adolescentes vão procurar um terapeuta depois de se autoidentificarem,
mas muitos Estados foram obrigados, devido a pressões políticas não
científicas, a proibir a chamada “terapia de conversão”. Essa proibição impede
os terapeutas de se aprofundar não apenas nas atrações e identidade sexual do
jovem, mas também em sua identidade de gênero. Os terapeutas não são
autorizados a perguntar por que o adolescente se acredita transgênero; eles não
podem explorar as questões de saúde mental subjacentes; não podem levar em
conta a natureza simbólica da disforia de gênero e não podem levar em conta
possíveis questões que estejam confundindo o problema, como o uso de mídias
sociais ou o contágio social.[6]
Impacto da redesignação sexual em
adultos, relacionado ao risco em crianças
Pesquisas sugerem que adultos transgêneros manifestam um
sentimento de alívio e satisfação após o uso de hormônios e cirurgia de
redesignação sexual (CRD). Contudo, a CRD não resulta em um nível de saúde
equivalente ao da população geral.[50]
Por exemplo, um estudo de 2001 com 392 transgêneros homem a
mulher (HaM) e 123 transgêneros mulher a homem (MaH) constatou que 62% dos
transgêneros HaM e 55% dos MaH sofriam de depressão. Quase um terço (32%) de
cada grupo tinha tentado o suicídio.[51] Do mesmo modo, em 2009, Kuhn e
colegas encontraram saúde geral e satisfação geral com a vida consideravelmente
inferiores entre 52 transexuais HaM e três MaH, 15 anos depois de passarem por
CRD, comparados aos controles.[52] Finalmente, um estudo de
acompanhamento feito ao longo de 30 anos de pacientes transgêneros
pós-cirúrgicos na Suécia constatou que o índice de suicídio entre adultos
transgêneros operados era quase 20 vezes maior que o da população geral. Para
que fique claro, isso não prova que a redesignação sexual provoca risco
aumentado de suicídio ou outras morbidezes psicológicas. O que
indica é que a cirurgia de redesignação sexual, por si só, não oferece ao
indivíduo um nível de saúde mental comparável ao da população geral. Os
autores resumiram suas descobertas como segue:
As pessoas com transexualismo, após passarem pela redesignação
sexual, apresentam riscos de mortalidade, comportamento suicida e morbidez
psiquiátrica consideravelmente mais elevados que a população geral. Nossas
descobertas sugerem que a redesignação sexual, embora alivie a disforia de
gênero, talvez não seja o bastante como tratamento do transexualismo e deve
inspirar atendimento psiquiátrico e somático melhor para esse grupo de
pacientes após passarem pela redesignação sexual.[50]
Vale notar que essas disparidades de saúde mental são observadas
em um dos países mais abertos do mundo a lésbicas, gays, bissexuais e
transgêneros (LGBT). Isso sugere que essas diferenças de saúde não sejam
devidas principalmente ao preconceito social, mas à condição ou ao estilo de
vida dos adultos transgêneros. Essa ideia também condiz com um estudo americano
publicado no Journal of LGBT Health em 2008, que constatou
que a discriminação não explica as discrepâncias de saúde mental entre
indivíduos que se identificam como LGBT e a população heterossexual.[53]
Pessoas com transexualismo têm
riscos de mortalidade, suicídio e morbidez psiquiátrica
Na ausência de intervenção hormonal e cirúrgica, apenas 5%-20%
das crianças pré-púberes com DG enfrentarão uma idade adulta transgênera que
parece predispô-las a certas morbidezes e a um risco aumentado de morte
precoce. Contrastando com isso, o único estudo conduzido com crianças
pré-púberes com DG que passaram por supressão da puberdade deixa claro que 100%
dessas crianças serão transgênero na idade adulta. Portanto, as atuais
intervenções de afirmação transgênero em clínicas de gênero pediátricas irão
estatisticamente gerar esse resultado para as restantes 80% a 95% das crianças
pré-púberes com DG que, de outro modo, teriam identificado seu sexo biológico
antes de chegar a idade adulta.
Recomendações para pesquisa
Estudos com gêmeos idênticos mostram que fatores ambientais
pós-natais exercem influência considerável sobre o desenvolvimento da disforia
de gênero e do transgenerismo. Dados também refletem um índice de resolução
superior a 80% entre crianças pré-púberes com DG. Por essa razão, um alvo de
pesquisas deve ser a identificação dos diversos fatores ambientais e caminhos
que desencadeiam a DG em crianças biologicamente vulneráveis. Atenção especial
precisa ser dada ao impacto de acontecimentos adversos na infância e ao contágio
social. Outra área em que mais pesquisas são muito necessárias é na
psicoterapia. São urgentemente necessários e já deveriam ter sido iniciados há
muito tempo estudos longitudinais grandes e de longo prazo em que crianças com
DG e suas famílias são encaminhadas de maneira randomizada a tratamento com
diversas modalidades terapêuticas e avaliadas segundo múltiplos critérios de
saúde física e emocional. Além disso, os estudos de acompanhamento de longo
prazo que avaliam critérios objetivos de saúde física e mental de adultos
transexuais operados precisam incluir um grupo de controle correspondente
composto de indivíduos transgênero não submetidos à CRD. Essa será a única
maneira de testar a hipótese de que a própria CRD pode causar mais danos aos
indivíduos do que eles sofreriam apenas com psicoterapia.
Conclusão
A disforia de gênero (DG) infantil é um termo usado para
descrever uma condição psicológica em que uma criança sente uma incongruência
marcante entre o gênero que sente ter e o gênero associado a seu sexo
biológico. Estudos com gêmeos demonstram que a DG não é uma característica
inata. E, sem a afirmação de sua transexualidade antes da adolescência e sem
intervenção hormonal, antes de chegarem ao final da adolescência, entre 80% e
95% das crianças com DG vão aceitar a realidade de seu sexo biológico.
O tratamento da DG infantil com hormônios equivale, na prática,
à realização de experimentos em massa e esterilização de crianças e
adolescentes que são cognitivamente incapazes de dar seu consentimento
informado. Existe um problema ético grave em permitir que procedimentos
irreversíveis e transformadores de vida sejam realizados em menores que não têm
idade suficiente para darem o consentimento válido, eles próprios; os
adolescentes não são capazes de compreender a magnitude de tais decisões.
A ética, por si só, exige o fim da supressão da puberdade com
agonistas do GnRH, hormônios do sexo oposto e cirurgias de redesignação sexual
em crianças e adolescentes. O College recomenda a cessação imediata dessas
intervenções e o fim da promoção da ideologia de gênero por meio de currículos
escolares e políticas legislativas. A saúde, os currículos escolares e a
legislação precisam permanecer ancorados à realidade física. Pesquisas
científicas precisam buscar uma compreensão melhor das bases psicológicas desse
transtorno, a identificação das terapias familiares e individuais mais
indicadas e um esforço para delinear as diferenças entre crianças cuja condição
se resolve com acompanhamento e espera, versus aquelas cuja condição se resolve
com terapia e as cuja condição persiste não obstante a terapia.
Tradução: Clara Allain
Original em inglês: Gender Dysphoria in Children
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