Todas as criaturas do mundo: a arte dos mapas como elemento de orientação geográfica

RESUMO
Vagos em seu traçado e pródigos em figuras de seres reais ou fabulosos, a iconografia dos mapas medievais cumpria papel nada desprezível para o reconhecimento de terras virtualmente desconhecidas pela Cristandade. Em um mundo sem latitude e longitude confiáveis, os acidentes da paisagem, os povos existentes e até mesmo determinados componentes da fauna e flora poderiam transformar-se em variáveis de extrema importância para a orientação geográfica. Apesar de alcançarem maior precisão nas tentativas de representar o espaço geográfico, experimentarem considerável avanço na determinação da latitude e prosseguirem na busca de um método prático para obter a longitude, os cartógrafos da época dos Grandes Descobrimentos ainda se preocuparam em figurar elementos notáveis - imaginários ou não - capazes de auxiliar na orientação dos viajantes nas mais diferentes regiões do globo. Com a crescente expansão europeia e a autêntica revolução científica em curso no século XVII, os extensos comentários e as vistosas representações da natureza e dos habitantes dos locais perderiam rapidamente o papel de referência nos mapas seiscentistas, conservando apenas seu valor estético e econômico. A chegada do século XVIII consolidaria a definitiva transformação das ilustrações em um elemento essencialmente decorativo, sem qualquer outro papel relevante em termos cartográficos. Além de menos numerosas, as figuras amiúde tendem a uma certa estilização e acentuam seu deslocamento para a periferia dos mapas, que soem apresentar alguma ornamentação apenas nas cártulas ou cartuchos. Apesar de muitas vezes conservarem algum tipo de relação com o espaço geográfico considerado, os motivos escolhidos também podem adquirir relativa independência, havendo numerosos casos de alegorias e composições com variadas figuras mitológicas, bem como representações de caráter histórico destinadas a ressaltar o poderio de um determinado ator político.
Palavras-chave: Cartografia histórica. Cartografia holandesa. Cartografia quinhentista. Cartografia seiscentista. Iconografia. Iconologia.

ABSTRACT
Vague in the outlines and abounding in figures of real or fabulous creatures, the iconography of medieval maps played a significant role in helping users to recognize lands that were virtually unknown to Christendom. In a world with no reliable latitudes and longitudes, the land contours, inhabitants and even certain elements of fauna and flora could become variables of utmost importance for geographic orientation. Notwithstanding the higher levels of precision achieved in their efforts to represent geographic space, the considerable advancements made in latitude determination, and their continuous pursuit of a practical method for the establishment of longitudes, the cartographers of the Age of Discoveries still went to the trouble of depicting notable elements - whether real or imaginary - to help travelers get their bearings around different regions of the globe. As the presence of Europeans continued to expand and an authentic scientific revolution took place in the 17th century, the lengthy notes and eye-catching representations of nature and local inhabitants soon lost their utility as points of reference on 17th-century maps to become mere accessories of aesthetic and commercial value. The advent of the 18th century consolidated, once and for all, the transformation of such illustrations into essentially decorative elements with no other relevant role to play in mapmaking. In addition to decreasing in number, the figures became more stylized and moved to the borders of the maps as ornamental motifs. Although they often maintained some sort of relation with the geographic space depicted on the map, the motifs chosen could also constitute a rather independent element. In fact, allegories, compositions with a variety of mythological figures, and historical representations were often used to underscore the power of certain political agents.
Keywords: Historical cartography. Dutch cartography. 16th-century cartography. Iconography. Iconology.

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