Lawrence da Arábia: o retrato real de uma lenda
Aquele que a história
conhece com o nome de Lawrence da Arábia, nasceu Thomas Edward, em 1888.
Seu pai, estabelecido na Irlanda, fugiu com a governanta de suas
filhas, Sarah Junner – que se fazia passar por Sarah Lawrence. Tiveram
cinco filhos, loiros como o trigo. O casal ilegítimo viveu no País de
Gales e depois na Inglaterra, onde o pequeno Thomas (apelidado de “Ned”)
cresceu, antes de entrar para a Universidade de Oxford. Cursando
história, ele defendeu uma tese sobre a influência das cruzadas na
arquitetura militar na Europa. Tornou-se então assistente do professor
Hogarth, que dirigiu escavações arqueológicas na região do Eufrates, em
Beirute e depois em Djebail (antiga Biblos). Tinha 26 anos quando o
governo britânico declarou guerra à Alemanha, em 4 de agosto de 1914.
Não falava bem árabe, revelou-se um arqueólogo medíocre, sonhava em ser
escritor. Mas tornou-se indispensável nos assuntos orientais britânicos e
construiu tão bem a sua lenda a ponto de Winston Churchill ir
pessoalmente a seu funeral.
Trinta e um capítulos pontuam
Lawrence d’Arabie (Perrin, US$ 40,11), construído como um romance de
aventuras que mergulha o leitor diretamente no centro da ação,
baseando-se na correspondência de Thomas Edward e em seu famoso relato
autobiográfico, Os sete pilares da sabedoria.
Após retraçar a
juventude do mítico personagem, Christian Destremau, armado de seus
sólidos conhecimentos como especialista em temas do Oriente Médio e de
espionagem, segue, ano após ano – tomando todo o cuidado para separar o
verdadeiro do falso –, o percurso desse homem cuja primeira missão de
agente secreto ocorreu no Sinai. A obra insiste particularmente em seu
papel durante a grande revolta árabe de 1916-1919, que cobre 15
capítulos. Oficial de ligação britânico, ele era amigo do rei Faiçal,
grande liderança do movimento e futuro rei do Iraque, o qual aconselhava
e conseguia frequentemente convencer, durante sua marcha em direção a
Damasco, finalmente tomada dos otomanos após um banho de sangue, em 1º
de outubro de 1918.
O autor não esconde o fato de Lawrence ter
sido muito contestado durante sua vida, pois era um franco-atirador,
indisciplinado, vaidoso e oportunista. Aparece aqui mais frequentemente
como um homem frio, insensível ao sofrimento humano, abandonando à sua
sorte os feridos agonizantes sem se ocupar em socorrê-los. Em setembro
de 1918, ele deixa até ocorrer um crime de guerra, contrário às
convenções internacionais, quando prisioneiros turcos foram massacrados
perto da cidade de Tafas.
Christian Destremau, no entanto,
ressalta a sua atitude nos hospitais de Damasco, repletos de cadáveres
em decomposição. Durante quatro dias, Lawrence cobriu-os de cal a fim de
enterrá-los dignamente. Mas isso seria suficiente para pensarmos que,
“após Tafas, a vitória foi manchada, mas o homem encontrou no asilo
(logo após a tomada de Damasco) a sua redenção”?
O relato
cronológico denso evoca a história a passos largos e fornece um retrato
impressionista, que deixa ao leitor a liberdade de formar uma opinião
pessoal sobre esse homem que, curiosamente, desprezava os árabes,
segundo ele “material” inutilizável nas ações militares de envergadura –
mas que defendeu, já de volta à Inglaterra, a independência das nações
árabes. Trabalhou para construir para si uma reputação de especialista
no Oriente, o que lhe valeu encontros tête-à-tête com líderes como
Clemenceau quando das conferências de paz.
Lawrence é um
personagem eminentemente romanesco que, depois de ter sobrevivido ao
deserto, encontrou a morte no guidão de sua moto, batizada George VII,
uma máquina último tipo, cuja compra lhe consumiu seus direitos
autorais. O acidente ocorreu na segunda-feira, 13 de maio de 1935.
Faleceu 48 horas mais tarde, aos 47 anos. Uma morte banal para um homem
que se tornou herói nacional e que seria revivido por Peter O’Toole no
épico Lawrence da Arábia (1962), dirigido pelo mestre britânico David
Lean, que cristalizaria de vez sua fama aventureira.
Eric Mension-Rigau, historiador e biógrafo, é professor da Universidade Paris-Sorbonne
COMENTÁRIOS