Especial Mistérios: as Amazonas são apenas uma lenda?
Em 1768, a Enciclopédia Britânica polemizava: “Enquanto alguns
consideram as amazonas como um povo puramente mítico, outros defendem um
fundamento histórico para elas”. Foi o historiador e geógrafo grego
Heródoto, cinco séculos antes de Cristo, quem sintetizou a suposta
história dessa tribo de mulheres guerreiras originárias da região do mar
Negro, Turquia, chamando-as de “matadoras de homens”. Segundo ele,
apenas uma vez por ano elas convidavam seus vizinhos, os mitológicos
gargarenos, para terem relações sexuais com elas, garantindo assim a
sobrevivência de sua tribo, conservando tão somente as meninas nascidas
dessas uniões efêmeras, matando ou descartando os filhos varões.
Data
dos tempos homéricos a interpretação etimológica do termo amazona como
“mulheres sem peito”, defendendo alguns que, a fim de melhor manejar o
arco e a flecha, extirpavam um dos seios. O padre Antônio Vieira, num
dos seus sermões, apostava na amputação da mama direita: “As antigas
amazonas, cujas armas eram arco e aljava, para poderem atirar mais forte
e mais expeditamente as suas setas, cortavam os peitos direitos”.
Muitas vezes são representadas portando também uma machadinha de dois
gumes, arma que nas últimas décadas tornou-se um dos símbolos preferidos
do movimento lésbico mundial.
Salvo erro, quem primeiro se
referiu à presença dessas mulheres guerreiras na região amazônica foi o
dominicano frei Gaspar de Carvajal, que percorreu o caudaloso rio desde a
cordilheira dos Andes até o Atlântico entre 1540-1542, acompanhando a
expedição pioneira do capitão Francisco de Orellana, que batizou o então
conhecido como rio Marañon de Amazonas. Já em Quito, de onde partiu
essa expedição, diz frei Carvajal que “nos haviam contado a respeito das
guerreiras a quem os índios chamavam de cunhapuiara, que quer dizer
grandes senhoras, residentes 1.400 léguas rio a abaixo”.
Encontramos
evidências de que a fama dessas mulheres guerreiras se espalhava por
toda a América do Sul, tanto que já em 1535, quando Diego D’Almagro
conquistou o Chile, os índios dessa região meridional lhe informaram
que, acima de dois grandes rios, havia uma vasta e aurífera província
habitada só por mulheres.
Também no Brasil, no sertão da Bahia,
segundo relata Gabriel Soares de Souza, senhor de engenho e vereador na
Câmara de Salvador, já antes do ano de 1587, que os índios diziam que
“sempre têm guerra com umas mulheres de uma só teta, que pelejam com
arco e flecha, e se governam e regem sem seus maridos, como se diz das
amazonas”.
No século seguinte, por volta de 1639, o jesuíta
Cristóbal de Acuña informava que no vice-reino de Nova Granada
(Colômbia), “não há geralmente coisa mais comum e que ninguém ignora, de
se dizer que nesse rio habitam estas mulheres, dando sinais tão
particulares e concordando todas as suas informações umas com as outras,
não sendo crível que uma mentira se pudesse ter enraizado em tantas
línguas e tantas nações, com tantos visos de verdade”.
Em Caiena,
1743, confirmava o explorador Condamine que a crença nessas “mulheres
sem marido” era universalmente espalhada em todas as nações que habitam
as margens do rio Amazonas. Por sua vez, os naturalistas Spix e Martius,
pelos anos 1817-1820, confirmam a presença do mito, mas são
categóricos: “Não avistamos em parte alguma uma amazona, nem ouvimos de
pessoa fidedigna de origem europeia, que se referisse a essa tradição
fabulosa”.
O relato mais minucioso sobre as supostas amazonas é
do pioneiro frei Carvajal: “Eram 10 ou 12 mulheres guerreiras que vieram
ajudar os nativos na sua peleja. A estas, nós as vimos: andavam
combatendo diante de todos os índios como capitães e lutavam tão
corajosamente que os índios não ousavam lhes mostrar as costas. São
muito alvas e altas, com cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na
cabeça. São muito membrudas e andam nuas a pelo, tapadas em suas
vergonhas; com os seus arcos e flechas na mão fazem tanta guerra como
dez índios”.
Três superposições etno-históricas seriam responsáveis pela manutenção da lenda das amazonas na América do Sul...
Luiz Mott é professor titular de antropologia da UFBa
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