Dossiê Messianismo: o messias imaginado por Euclides da Cunha
Euclides da Cunha buscou
“encaixar” Antônio Conselheiro num molde semelhante ao das fases de
desenvolvimento civilizatório de intelectuais do século XIX que ele
mesmo cita, aqui e ali, em Os sertões. Com tais concepções
diacrônicas de desenvolvimento histórico e social, seria interessante
examinar o papel do símile e das ideias de barbárie e civilização em
Euclides.
Embora reconhecendo o desvario logístico e político que
foi a campanha militar contra Canudos, Euclides não mostra mais que
indulgência soberba para com os jagunços; foram vítimas da nascente
República, efetivamente, mas a “solução” para seu problema deveria ter
sido atraí-los para a órbita da civilização, e não reprimi-los à bala.
Em relação ao Conselheiro, ele se mostra menos tolerante, mas revela
certo fascínio pela figura do líder do arraial. Tomando sempre por base
de comparação o exemplo civilizatório europeu, Euclides: “Sua influência
veio bater-se de encontro à civilização. Se recuássemos alguns séculos e
o sertão de Canudos tivesse a amplitude da Arábia, porque razão não
acreditar que o seu nome pudesse aparecer, hoje, dentro de um capítulo
fulgurante de Thomas Carlyle?”.
Essa e outras passagens mostram
que na verdade Euclides trabalha com dois símiles, ambos de origem
europeia, mas distintos; um referente à barbárie, outro à civilização.
Como apoio para o primeiro, Euclides toma Renan; para o segundo, Buckle.
A comparação com Montano da Frígia (profeta herege dos primórdios do
cristianismo) é sintomática: mesmo a nossa barbárie necessitaria do
símile europeu para poder ser entendida dentro de um padrão de
desenvolvimento.
Essa e outras passagens mostram que na verdade
Euclides trabalha com dois símiles, ambos de origem europeia, mas
distintos; um referente à barbárie, outro à civilização. Como apoio para
o primeiro, Euclides toma Renan; para o segundo, Buckle. A comparação
com Montano da Frígia (profeta herege dos primórdios do cristianismo) é
sintomática: mesmo a nossa barbárie necessitaria do símile europeu para
poder ser entendida dentro de um padrão de desenvolvimento.
Modernamente,
fazem-se outros tipos de análises comparativas do Conselheiro, estudos
de tipo estrutural e de história da cultura, das mentalidades etc.. Na
comparação com eles, Euclides merece o título de “ancestral”, mas não
seria o único e nem o mais sofisticado. Maria Isaura Pereira de Queiroz
procura fazer uma tipologia dos movimentos messiânicos; Douglas Teixeira
Monteiro envereda pela comparação entre três surtos de messianismo, e
José Calasans busca relativizar a herança euclidiana apoiando-se em
fontes menos conhecidas – em especial a história oral e relatos da
época.
O que diferencia Euclides e os estudos modernos sobre o
tema é o juízo de valor que Euclides faz ao selecionar tal ou qual
exemplo para servir de contraponto ao estudo de Canudos. Por que
selecionar um herege, e um herege do cristianismo primitivo como
Montano, para comparar ao Conselheiro? Não se pode encontrar aí um juízo
de valor que desqualifica o líder canudense, e isso não é tanto mais
verdadeiro após termos verificado não existir um traço sequer de heresia
em sua doutrina?
Vicente Dobroruka é pós-doutor em história e professor da UnB
COMENTÁRIOS