A pré-história dos robôs


 (Foto: Adams Carvalho)

Xeque-mate! Xeque-mate!”,gritava o Enxadrista Mecânico enquanto era consumido             pelas chamas de um incêndio que atingiu a cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos, háexatamente 160 anos. O Enxadrista — que também ficou conhecido como “Turco” por 
conta dos seus trajes orientais — era uma espécie de autômato que, segundo seu inventor, conseguia jogar xadrez contra seres humanos. Alguns anos antes de ser engolido pelo fogo, o Turco tinha sido uma sensação mundial. Ele chegou a desafiar e vencer Benjamin Franklin e Napoleão Bonaparte e inspirou a primeira grande polêmica sobre a possibilidade de se criar um homem mecânico dotado de inteligência — oque mais tarde a ficção científica nos acostumou a chamar de robô.
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Criado por um funcionário público húngaro, Wolfgang vonKempelen, e apresentado pela primeira vez em Viena, em 1770, o Turco nasceu no fim da era de ouro dos autômatos (máquinas que imitam seres vivos, como homens ou animais) e no início da era do maquinário industrial. Ele ficava posicionado atrás de um balcão no qual o tabuleiro era apoiado, e, no início de cada apresentação, vonKempelen fazia questão de abrir porta por porta desse balcão para mostrar que não tinha ninguém lá dentro. Seu sucesso, e as polêmicas que provocou no meio intelectual ao apresentar sua criação como a primeira “máquina inteligente da história”, foi fruto do clima da época. Hoje, os três temas que ele corporificou — a imitação mecânica da vida, a inteligência artificial e a substituição do ser humano pela máquina — marcam a história do campo conhecido como robótica.
Durante mais de 80 anos, o Turco fez exibições na Europa e nos Estados Unidos, e muita gente realmente acreditou se tratar de um autômato inteligente. Não era loucura: naquele período, as pessoas testemunhavam uma série de novidades patrocinadas pela Revolução Industrial, e existia o medo real de que os humanos acabassem substituídos por máquinas. A maneira como o Enxadrista funcionava permaneceu em segredo por muito tempo, e o mistério só foi desfeito depois do incêndio na Filadélfia. A verdade é que o balcão em que ele se apoiava de fato tinha espaço para abrigar uma pessoa, e essa pessoa geralmente era o melhor jogador de xadrez disponível.
O truque estava na forma como a caixa era apresentada ao público, de modo a sugerir que não cabia ninguém lá dentro (veja ao lado). Mas vonKempelen não foi o primeiro a tentar construir um homem mecânico.
Em 1737, o francês Jaques de Vaucanson já tinha apresentado ao mundo o seu “flautista artificial”. Com foles no lugar dos pulmões, dedos e lábios móveis e válvulas regulando o fluxo de ar, o boneco de madeira de 1,67 m era movido a corda. O flautista causou sensação não por ser uma máquina que tocava música, mas por produzir música como um instrumentista humano: soprando ar através da flauta, modulando o ar com os lábios, controlando a flauta com os dedos.
Vaucanson passou boa parte de sua vida tentando construir um homem artificial completo, em que outros sistemas do corpo humano, como o circulatório, pudessem ser recriados mecanicamente, da mesma forma que o flautista recriava a respiração. Ele morreu sem completar seu “homem artificial”, mas essa capacidade de controlar um instrumento projetado para uso humano, com destreza comparável a de uma pessoa, é uma meta buscada até hoje por criadores de robôs.
CRIADOS PARA SERVIR
O enxadrista de vonKempelen era chocante para o público do século 18 porque era interativo. Como escreve Tom Standage, autor de The Turk, uma “biografia” da máquina, “era a aparente capacidade do autômato de responder aos movimentos do oponente que o separava dos autômatos anteriores”. E mesmo hoje a interatividade continua a produzir a ilusão de inteligência em sistemas artificiais. Mas quando o computador Deep Blue bateu o então campeão mundial de xadrez GarryKasparov, em 1997, ninguém considerou a máquina inteligente, ou pelo menos não inteligente como um ser humano. “Creio que jogar xadrez é visto como um sinal de inteligência, mas não de consciência”, diz a psicóloga britânica Susan Blackmore, autora do livro Consciousness: anIntroduction. “À medida que aprendemos mais sobre como a inteligência funciona, achamos mais fácil aceitar que máquinas são inteligentes, mas a consciência permanece um mistério.”
Desde 2011, o projeto James — sigla em inglês de Ação Conjunta para Sistemas Sociais Incorporados Multimodais — tenta desenvolver um robô capaz de servir drinques em um bar. A ideia é que ele seja capaz de distinguir uma pessoa que está apenas encostada no balcão de alguém que se aproximou para pedir bebida. O pesquisador Sebastian Loth, um dos responsáveis pela iniciativa, explica que esse é o próximo passo da evolução dos robôs.
“Decidir qual das duas opções é a correta (se o cliente está simplesmente encostado ou se deseja ser atendido) requer um raciocínio que não segue uma lógica matemática, mas que tem de ser expresso como um programa ou fórmula. Isso é necessário para que o robô compreenda as interações sociais e responda adequadamente ao comportamento humano”, explica Loth.
A diferença entre os autômatos do século 18 e os robôs que surgiram depois é que, enquanto os primeiros foram criados como brinquedos, os outros foram e continuam sendo feitos para o trabalho. O primeiro robô industrial, de 1937, era um modelo de guindaste capaz de montar paredes. E mesmo os robôs enviados a Marte pela Nasa são trabalhadores, já que realizam tarefas no lugar de seres humanos.
Mas se a presença de robôs no local de trabalho parecia limitada ao chão de fábrica, agora sistemas como o barman eletrônico começam a avançar sobre o setor de serviços. “O bar é apenas um tipo de interação de serviço. Os resultados do nosso trabalho podem ser transferidos para outros lugares, como uma fila de padaria”, diz Loth. Se ele estiver certo, é provável que num futuro próximo você nunca mais dê de cara com um pãozinho queimado.
 (Foto: Revista Galileu)
 (Foto: Revista Galileu)

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