Os melhores filmes de gângsters da história


Bons filmes de gângster primam por volúpia. Toda lista ou reunião minimamente sensata passa por uma sequência bem enredada de frases e roteiros pomposos, uma violência quase estética e uma verborragia de gestos latinos e cabelos emplastados de gel. Todos eles são misturados com macheza galanteadora e com armas de todo calibre que fazem o espectador ter vontade de adentrar na­quele mundo secreto permeado de códigos e condutas másculas.
Qualquer guia telequete sobre os filmes de máfia começa com “O Poderoso Chefão”. Ele é o melhor que há no gênero. É simples, é plástico, é cheio de pompa que pode ser discutida em qualquer reunião de enroladores da arte do cinema. Mesmo quem nunca parou seis ou sete horas ininterruptas para assistir a trilogia sabe que o filme é muito acima da média.
Nos micro-trechos de Francis Ford Coppola está a engenharia estética sofisticada mais poderosa do “Chefão”. É daquelas que dá vontade do cinéfilo repeti-las para sempre, toda vez que bate o frio amargo da realidade. O filme é extraordinário porque mostra Marlon Brando bochechudo e com uma voz gutural — tudo que, em tese, seria caricato — lecionando o “modus operandi” da máfia Italiana ao tentar ocupar os postos de comando político e econômico do mundo novo.
A música é muito boa e a sequência de guerrilheiros do gueto assassinando seus rivais em mo­mentos de sofisticação vai estar, para sempre, no imaginário coletivo ocidental. Está ali a forma simples e direta que a máfia resolve seus problemas. Um tiro no olho enquanto outro bandido faz uma massagem ou uma saraivada de metralhadora quando o rival está preso numa porta giratória qualquer. Axiológico e simplificado. “The end”.
Também é de “O Poderoso Chefão” a mais importante tomada desta modalidade de filme. Michael Corleone (Al Pacino) batizando o filho é a mais bonita cena do gênero gângster — a famosa sequência em que, renunciando os domínios de satã dentro de uma catedral gótica, concomitantemente, faz a limpeza nas famílias sicilianas que atiraram no Don Corleone enquanto este comprava frutas.
Se o título de “Pai da Máfia” está até hoje — outubro de 2012 — com “ O Poderoso Chefão” e a vice liderança está com a “Parte 2” da sequência criada por Coppola, o último a completar o pódio é “Scarface, a Vergonha de Uma Nação”, de Howard Hawks, de 1932.
Não é a nostalgia de citar filmes do início do século passado como superiores aos atuais. É a mais pura síntese de um roteiro linear, uma aula sequencial de criar personagens embebidos em drama, sagacidade e malvadeza.
É, principalmente, uma cartilha do Mobral que ensina como se fazer uma fotografia ortodoxa. Mostra os rivais sendo metralhados — na cena, só as sombras caem no solo ao serem atingidas por projéteis — e como um protagonista dual e cheio de conflitos familiares tomba na sarjeta.
A figura do mafioso Scarface de braços abertos se projeta negra, como uma cruz que se avoluma nos filmes de Fritz Lang. O primeiro “Scarface” é uma olhadela no horizonte do passado sob a forma com que a máfia de Chicago se portava e como era vista pelo típico cidadão norte-americano da época.
Cheio de metáforas que vão desde a homossexualidade ao incesto, o primeiro “Scarface” passa por placas indicativas na rua sobre a importância do governo “acabar com a criminalidade” e a cena final, quando o cadáver se debruça sobre uma propaganda de uma companhia de viagens, com os dizeres garrafais: “O mundo é seu”. A ácida demonstração das parvas brincadeiras da vida. Ou da morte.
Depois dos três primeiros filmes sobre a máfia pura, o primeiro a ocupar a colocação depois da medalha de bronze é estrelado por Edward G. Robinson, com a parceria de Dou­glas Fairbanks Jr. É “Little Caesar” (ou “Alma no Lodo”, no Brasil), de 1930.
Lançado um ano depois do “crash” da bolsa de valores, o filme, bem dirigido por Mervyn LeRoy, também se propõe, em um mergulho metalinguístico, a entender a lógica da produção cinematográfica na época da grande depressão.

Caesar “Rico” Badello (Edward G. Robinson) é um ladrão pé-de-chinelo que compensa a falta de oportunidades com a imensa ambição. Ao lado do bem intencionado parceiro e amigo Joe (Douglas Fairbanks Jr.), eles se mudam para o coração de Chicago atrás de sorte. E cada um a acha à sua maneira. Iludido com a dança profissional, Joe se torna comediante e se apaixona pela bela bailarina Olga (Glenda Ferrell).
No outro lado da moeda, o agora rebatizado como “Pequeno Caesar” experimenta o poder advindo das armas e do dinheiro sujo. Cruel e psicótico, Caesar é um novo e glamoroso bandido dos guetos que passa a aterrorizar com seu pseudônimo no diminutivo. É com a má fama do nome e da perversão que ele aumenta cada vez mais a influência e intempestividade criminosa que desafia a polícia de Chicago.
Como o roteiro é bem tramado por Francis Edward Faragoh e Robert Lee, escrito à luz do livro homônimo de W. R. Burnett, a queda do “pequeno grande Cae­sar” acontece ali, na própria sarjeta debaixo de um cartaz que anuncia a peça estrelada por Olga e por seu amigo Joe. Um jogo moral de livre-arbítrio na tela.
O quinto representante tem um dos melhores protagonistas do gênero. É James Cagney, em “Fúria Sanguinária”, filme de 1949 dirigido por Raoul Walsh. Ele trata da história do quadrilheiro Cody que faz um malsucedido assalto a um trem. Cody é o ríspido e durão que comanda a gangue de assaltantes. Seus berros para apartar a tropa são mais ou menos assim: “Você sabe o que fazer? Então, feche essa matraca e faça”. É a um comparsa um pouco antes de ser preso pela polícia.
“Fúria Sanguinária” merece espaço entre os cinco primeiros por que remete a um modo primitivo e dinâmico de fazer cinema: a linguagem muda. Mas, mais moderno que os diretores do tempo do cinema sem som, Walsh soube aliar seu trabalho implacavelmente linear com as possibilidades complexas da psicologia que chegava ao cinema.
A prova da capacidade intrincada do diretor está na maneira com que ele mostra como o carro alcança implacavelmente o trem e, principalmente, como a personalidade cruel de Cody está relacionado às correntes ideológicas do pós-guerra, como o behaviorismo e o determinismo social.
James Cagney, que foi o “melhor mafioso” do gênero (estava um degrau acima de Edward G. Ro­binson), soube mostrar extraordinariamente como age um psicopata. Ele é frio, indiferente, mata com sangue nos olhos e não está nem aí para o sofrimento dos outros. Entretanto, ele é ligado ao passado conturbado da infância — um denominador comum entre todos os bandidos do cinema — tem uma fixação doentia pela mãe violenta e está, sempre, cheio de dores de cabeça lancinantes que o deixam ainda mais brutal.
Cagney, que sempre foi inteiro e intenso em suas interpretações — atuou até o fim da vida, interpretando um detetive dantesco em “Ragtime”, filme de Milos Forman da década de 1980 — viveu com alma o que o mafioso tem de mais marcante: crueldade, egoísmo, delírios de invencibilidade e mimos infantis que os tornam, cada vez, mais humanos e mais vulneráveis.
A máfia é sofisticada, é intrincada e é sempre liderada por baixinhos mandões: Al Pacino tem 1,70m, James Cagney 1,69 e Edward G. Robinson 1,65.
A parte 2 da lista vem depois. Coppola demorou dois anos. Certamente, seremos mais breves.

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