TI sem futuro: multiplicação de dispositivos ameaça prestígio do setor nas empresas

Agora, mais do que uma questão técnica, desenvolver soluções para garantir a organização e, principalmente, a segurança das informações corporativas é uma demanda estratégica, afirma executivo da IBM

Apontado como a menina dos olhos num volume cada vez maior de empresas, o setor de Tecnologias da Informação (TI) já está precisando lidar com um desafio dos grandes. Com a multiplicação de dispositivos móveis e o fortalecimento da cultura mobile nas sociedades modernas, a área tem perdido pouco a pouco o controle antes soberano sobre todo o tráfego de informações dentro das empresas.
Agora, mais do que uma questão técnica, desenvolver soluções para garantir a organização e, principalmente, a segurança das informações corporativas é uma demanda estratégica para os departamentos de TI. Caso contrário, boa parte do prestígio de que desfruta hoje pode se transformar apenas em dores de cabeça para os profissionais do setor. Pelo menos é o que pensa Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias aplicadas da IBM Brasil.
Em entrevista ao Administradores.com, ele destaca que as empresas brasileiras demoram mais para aceitar as inovações tecnológicas do que os consumidores finais, e que é justamente essa descentralização das ferramentas que está exigindo dos departamentos de TI uma nova postura. "O setor de TI deve repensar suas políticas de adoção de novas tecnologias. Ele não é mais o pastor que cuida das ovelhas", afirma.
A popularização dos dispositivos móveis e das possibilidades de computação em nuvem, segundo Cezar, é o grande motor das transformações em curso e também o principal desafio a ser enfrentado pelos departamentos de TI.

Imagem: Thinkstock

Com a evolução das tecnologias, as empresas estão precisando se adaptar, mudar processos, criar novos hábitos e aposentar práticas que já estavam bastante enraizadas por acomodação. O caso da escrituração digital, por exemplo, tem gerado inúmeros debates, em meio a críticas e elogios, como acontece em toda mudança. Você acredita que as empresas brasileiras estão preparadas e reagindo bem a essas transformações?

O brasileiro aceita inovações muito facilmente, mas as empresas tendem a ser bem mais conservadoras. Veja o exemplo do que chamamos de consumerização de TI. Hoje vivenciamos um momento diferente na adoção de tecnologias pela sociedade. O seu eixo impulsionador passou das empresas para o usuário final. O fenômeno da consumerização implica que a influência dos dispositivos pessoais, o paradigma das lojas de apps, jogos, serviços de mídias sociais, usados pelos funcionários das empresas, como pessoas físicas no seu dia a dia, demandam expectativas que eles também sejam usados nas suas atividades profissionais. Os funcionários se comportam mais como consumidores, exigindo uma escolha mais ampla de dispositivos, explorando novos dispositivos de consumo e novas aplicações a partir das lojas de aplicativos. Como resultado, as distinções entre o papel de uma pessoa como um funcionário e como consumidor estão mais turvas do que nunca.
Observamos que entre os eventos mais concorridos por profissionais e gestores de TI são atualmente o CES (Consumer Electronics Show) e o MWC (Mobile World Congress). Eles eram eventos quase que exclusivos para o mercado consumidor e agora são mais e mais relevantes como eventos corporativos. São emblemáticos do fenômeno da consumerização. E o mais assustador é que a velocidade das transformações é cada vez mais acelerada. Um exemplo? O comércio eletrônico, cujas primeiras lojas virtuais surgiram aqui no Brasil por volta de 1995, já faz parte do nosso cotidiano. Não conseguimos mais imaginar a vida sem as facilidades do e-commerce. O mesmo acontece com smartphones e tablets. Não são mais gadgets para usuários "early adopters", mas parte do nosso dia a dia comum. E não custa nada lembrar que o primeiro iPhone surgiu em 2007 e o iPad em 2009. Ou seja, praticamente ontem. Esta mudança de eixo de influência provoca rupturas na maneira de como TI gerencia as tecnologias. A conclusão é óbvia: o setor de TI deve repensar suas políticas de adoção de novas tecnologias. Ele não é mais o pastor que cuida das ovelhas.

As tecnologias da informação e comunicação têm assumido um papel cada vez mais importante e o cenário nos faz vislumbrar um futuro ainda mais promissor para essa área. Sair na frente, inovando em processos e aderindo a novos mecanismos, é estratégico?

Inovação sempre existiu na nossa sociedade. Mas o que vemos ultimamente é uma aceleração do processo. Inovar, em um ambiente econômico cada vez mais desafiador e competitivo, não é mais uma opção, mas uma necessidade de sobrevivência, não apenas para empresas, mas também para as nações. A inovação é uma arma cada vez mais decisiva na competição por espaços nobres na economia. O Brasil, por exemplo, precisa acelerar o passo se quiser recuperar o atraso provocado por décadas de instabilidade econômica e reserva de mercado, inibidores de inovação. Embora o Brasil participe com cerca de 3% do PIB mundial, é responsável apenas por 0,3% das patentes registradas. É um número bem pequeno para um país que está entre as oito maiores economias do mundo.
Em 2006 a IBM publicou um estudo chamado "CEO Study 2006", como o título de "Expanding the Innovation Horizon" onde mostrava, na opinião dos mais de 750 CEOs entrevistados, a importância estratégica da inovação. O resultado da pesquisa mostrou que pelo menos 2/3 dos CEOs pretendiam fazer mudanças significativas nos seus negócios nos próximos dois anos. Em 2008 o estudo foi repetido, e neste os CEOs afirmam compromissos com mais mudanças e uma atenção maior ainda em inovação.

A computação em nuvem tem sido difundida como uma alternativa bastante interessante para empresas. Como você vê esse modelo? O Brasil já oferece serviços capazes de atender bem a todas as necessidades das empresas?

Alguns fenômenos tecnológicos e comportamentais me chamam a atenção. Uma é a revolução dos smartphones e tablets, demandando uma mudança nas estratégias para aceitação de dispositivos nas empresas. É a politica BYOD ("Bring Your Own Device", ou "Traga Seu Próprio Dispositivo", em português). Outra é a perda de controle do uso de TI, quando vemos os gestores de TI deixando de ser os ditadores onipotentes sobre as decisões de infraestrutura para se transformarem em coordenadores e integradores de tecnologia. A razão é simples: além do BYOD temos a computação em nuvem, que permite aos usuários contratar serviços computacionais, sem envolver os CIOs no processo.
Estes movimentos aceleram o processo de desgaste, já em curso, das áreas de TI, vistas por muitas empresas como meras prestadoras de suporte, sem maiores envolvimentos com as estratégias do negócio. Se esta á a ambição de TI, tudo bem. Está cumprindo seu papel. Mas corre o risco de ver seu status caindo a cada dia. Nada impede de ao longo do tempo ser substituída por serviços prestados por outros, de forma mais barata e flexível. Este assunto já foi debatido pelo jornalista Nicholas Carr em seu livro de 2004, "Does it Matter ?", que se mantém super atual e recomendo que seja lido. Por outro lado, se TI quiser ser uma força transformadora na empresa, deve se reeinventar.
Cloud computing pode ser uma arma poderosa para prover esta transformação em TI. A computação em nuvem tem se disseminado de forma bastante rápida. Uma pesquisa que li recentemente, efetuada em conjunto pela IBM e Economist Intelligence Unit (EIU), comprovou este fato. A pesquisa, efetuada com quase 600 executivos de TI e de linhas de negócio, mostrou que hoje 72% das empresas do universo pesquisado já usam em maior ou menor grau a computação em nuvem e que em três anos este numero subirá para 90%. Mas o mais importante é que o nível de "uso substancial" passará de 13% hoje para 41%. É um crescimento significativo.
Portanto, com cloud computing sendo visto como arma estratégica e não apenas uma alternativa de se melhorar a eficiência de TI, pode-se transformar a própria TI do seu limitado papel de provedora de suporte a participante ativa do negócio. No Brasil cloud já é realidade. Os principais fornecedores globais, como IBM, estão presentes.

Em seu blog no portal da IBM você publicou um artigo bastante interessante com o título "Appificação". Você acredita que o futuro é mobile?

Os smartphones e tablets já fazem parte do nosso dia a dia e estão rapidamente se integrando a todas as atividades humanas. Estes aparelhos estão cada vez mais sofisticados e embutem diversos dispositivos que permitem conexão de banda larga, sensores e funcionalidade de geolocalização, entre outras funções, que nos abre inúmeras oportunidades de exploração. Por exemplo, na conversa, identificamos o potencial de seu uso na área de saúde. Já existem aplicativos que medem a frequência cardíaca, testam acuidade visual e daltonismo, ajudam no controle da gestação e do controle glicêmico. Um aparelho de pressão acoplado a um smartphone implementa um canal direto de comunicação e informação com o médico. Podemos pensar também em um glicosímetro acoplado a um smartphone, permitindo que o próprio paciente controle a dieta e as doses de insulina e estas informações sejam repassadas ao seu médico.
Além destas aplicações específicas, está se abrindo um espaço imenso para o uso de tablets e smartphones em qualquer setor de negócios. Hoje já somos tão dependentes dos nossos smartphones e tablets que nenhuma empresa pode impedir ou restringir seu uso corporativo. Nenhuma empresa pode ignorar a potencialidade que cada usuário tem em suas mãos ou em seu bolso. Pelo contrário, deve incentivá-lo mais ainda, mesmo que isto demande novos desafios para a área de TI.
O desafio para a área de TI das empresas é que estes aparelhos estão entrando por todos os lados. Impedir seu uso é impossível, mas é necessário criar procedimentos que garantam segurança e privacidade dos dados considerados críticos para o negócio. Sim, é um belo desafio. Os modelos tradicionais de controle e homologação não são mais adequados ao mundo dos smartphones. Não é simples separar o lado profissional do pessoal. O FourSquare, por exemplo: é de uso pessoal? Mas se acoplado ao sistema de CRM da empresa, não passa a ser corporativo? A área de TI tem que começar a colocar em prática novos métodos de gestão, adotando tecnologias especificas de MDM (Mobile Device Management), que permitam obter um nível de gerenciamento adequado aos seus requerimentos de governança, muitos deles forçados pelo compliance a regulações.

Qual deve ser o perfil do profissional de TI daqui por diante, para ser capaz de atender às necessidades do mercado?

Um novo profissional, mais voltado aos negócios do que a tecnologia. Li recentemente um relatório que deixa claro que os executivos das empresas (CEOs) pensam positivamente quanto a investir em TI e alguns temas como mobilidade e cloud computing estão chamando sua atenção. Mas o desafio que eles enfrentam é como adotar novas tecnologias e conseguir resultados significativos. Implementar uma nova tecnologia por si, desconectada dos desafios e visões estratégicas, bem como das mudanças que podem provocar nas políticas, processos e mesmo cultura das organizações, não traz resultados positivos e deixa os CEOs na defensiva. Porque investir nesta ou aquela tecnologia sem saber o que ela trará de resultados para o negócio?
Na minha opinião pessoal, muitos CIOs têm uma formação eminentemente técnica, com conhecimento limitado do negócio em si. A própria formação dos cursos de tecnologia se concentra na qualificação técnica e deixa de lado aspectos fundamentais, como desenvolvimento comportamental ou fundamentos de gestão estratégica. Uma nova tecnologia que pode criar uma disrupção demanda a criação de um business plan e esta é uma das disciplinas que passam longe das ementas dos cursos de TI. O resultado é que muitos CIOs se dedicam pouco à compreensão mais ampla das origens dos problemas e se dedicam a resolver problemas operacionais do dia dia à medida que eles aparecem. Não vão à raiz do problema e portanto não sugerem formas inovadoras de resolvê-los.
Fica então a questão: qual será o papel de TI e do CIO no próximos anos? Não me parece que em 10 anos a área de TI será igual à que vemos hoje. Tecnologias e conceitos disruptores como cloud computing, big data, mobilidade, BYOD, social business e internet das coisas são movimentos poderosos demais para serem barrados nas portas das empresas e das áreas de TI. Vão mudar as empresas, vão mudar o papel de TI e vão mudar o papel do CIO. E o primeiro passo para chegarmos a este futuro temos que dar agora.

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