O Jesus que nos desaponta

que, de fato, queremos de Deus? Justiça ou misericórdia? O que parece é que desejamos a justiça sem julgamento, e a misericórdia sem justiça.

Por John Koessler
Quando veio ao mundo, Jesus Cristo fez questão de afirmar que seria motivo de escândalo para muitos, até mesmo de tropeço. Tais advertências parecem perder sentido diante do amor e da obra de salvação promovida pelo Filho de Deus. Porém, aqueles que servem a Cristo são tão propensos a dores e frustrações quanto qualquer outro mortal. Se os evangelhos servem de indicação, podemos até dizer que a decepção é uma certeza. Quem lê os relatos da passagem do Salvador pela terra percebe: o que eles são, senão um registro em larga escala de decepções com Jesus?
Pergunte-se a João Batista, por exemplo. Sentindo-se incomodado na prisão de Herodes, o profeta enviou mensageiros a Jesus com a pergunta direta: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” A indagação vem como uma surpresa. Afinal de contas, João foi um dos primeiros a identificar o Rabi da Galileia como “o qual vem após mim” (João 1.27). E fez questão de afirmar que ele é que precisava ser batizado pelo Filho de Deus, e não o contrário. João também viu o Espírito de Deus descer sobre Jesus em seu batismo e ouviu uma voz dizer do céu: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”, conforme Mateus 3.17. Portanto, se alguém sabia a resposta a tão inquietante dúvida era o próprio João Batista.
É possível que, nas circunstâncias tão extremas nas quais vivia naquele momento, João tenha se desencorajado. Talvez, a escuridão da prisão de Herodes tenha diminuído sua confiança em Jesus e em sua missão. Mas isso também parece improvável. João estava acostumado a uma vida de dificuldades. Ele se vestia como um nômade e vivia como um homem selvagem do deserto, sobrevivendo à base de insetos e mel, de acordo com o relato de Mateus. Será razoável acreditar que uma cela de prisão poderia destruir seu espírito? Mais ainda, João não ficaria surpreso por se tornar prisioneiro de Herodes; afinal, como conhecedor das Escrituras que era, ele sabia o que acontecia com os profetas – e o destino de um profeta é, em nove de dez vezes, ruim. João dificilmente se chocaria com sua experiência.

“METAS” PARA DEUS
A pergunta de João mostra sua decepção com o relatório que recebeu do ministério de Jesus. Os contornos gerais das expectativas do profeta do Novo Testamento estavam marcados em seus alertas aos líderes religiosos, quando estes vieram até ele para serem batizados. “Raça de víboras!”, João trovejou. “Quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer entre vós mesmos: ‘Temos por pai a Abraão’; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Lucas 3.7-9).
Segundo João, Jesus tinha vindo para peneirar a colheita. De acordo com a Palavra, ele iria juntar o trigo e queimar a palha com fogo inextinguível. Em vez disso, Jesus estava percorrendo as montanhas da Galileia pregando o Evangelho e curando os doentes. O machado havia de fato sido afiado e o fogo, aceso; mas Jesus não parecia interessado em nenhum dos dois. Esse fato estava em tamanha contradição com o entendimento de João a respeito do que o Messias faria que ele não podia evitar seu questionamento. O que está por trás daquela pergunta é, sem dúvida, uma decepção. Expectativas frustradas se encontram no centro de toda decepção. Esperamos alguma coisa e recebemos algo diferente. Queremos carne para o jantar e temos frango. Pensamos que vamos receber a restituição do imposto de renda e em vez disso somos acionados por uma dívida como Fisco. A previsão do tempo prometeu sol para o fim de semana, mas chove! Decepções como essas são tão comuns que, provavelmente, deveríamos estar acostumados a elas.
Mas as coisas são diferentes com Deus. Esperamos um tratamento melhor da parte do Senhor. Sabemos que as pessoas irão nos desapontar, apesar desse conhecimento não aliviar nossa decepção quando isso de fato acontece. Porém, Deus não é assim. Podemos não saber muito de teologia, mas pelo menos sabemos que ele não mente. Não há variação ou sombra de mudança no Senhor; sim, ele é confiável. No entanto, essa boa teologia, por vezes, leva a más práticas. Ela nos faz confundir confiança com previsibilidade. Por pensarmos que a mente de Deus e a nossa são iguais, estabelecemos metas para o Todo-poderoso. Sabemos o que queremos, e então colocamos isso na boca do Senhor, e permitimos que nossos desejos governem nossas expectativas.
Algumas vezes, é verdade, as metas que estabelecemos se alinham com as intenções de Deus. Quando isso acontece, podemos nos sentir tão encorajados que estabelecemos novas metas para ele. Porém, mais cedo ou mais tarde – e provavelmente mais cedo, e não mais tarde –, o agir de Deus estará em tamanho desacordo com nossa expectativa que mal saberemos o que pensar. Oramos por cura, e o doente morre. O emprego, que parecia tão perfeito, fica para outro. E a pessoa a quem devotamos tanto amor não retribui nosso sentimento. O resultado é mais do que uma crise de fé, pelo menos como costumamos definir fé.

INDIGNADOS E AFLITOS
É claro que nem todas as decepções são iguais. A maioria tem pouca importância e é facilmente esquecida. Algumas, porém são mais sérias. Outras nos assombram todos os dias. A decepção de João era do tipo mais sério – era o tipo de decepção que Jonas sentiu quando viu que o povo de Nínive seria poupado da destruição pelo Senhor. Era a mesma frustração que levou o profeta Habacuque a reclamar perante o Altíssimo: “Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão?” É a mesma decepção que eu e você sentimos quando vemos injustiças ao nosso redor. A opressão e o mal parecem estar em toda parte, e Deus parece fazer muito pouco ou nada a respeito.
Já que somos pessoas de ação e fé, fazemos o que está ao nosso alcance para fazer a diferença. Vamos às ruas e ajudamos mendigos. Doamos nosso dinheiro a organizações que lutam por justiça. Votamos e tentamos mudar o sistema. Porém, não importa o que façamos, os problemas se multiplicam. Continuamos à procura de reforço, mas nenhum salvador da pátria aparece no horizonte. De que adianta o Evangelho, se ele permite que um ímpio como Herodes trate um profeta de Deus como seu brinquedinho pessoal? Enfim, desapontamo-nos com o Senhor porque ele permite que os culpados fiquem impunes.
Curiosamente, é possível que se encontre as duas posturas – indignação e aflição – na mesma pessoa. Tais pessoas estão simultaneamente frustradas com Deus por deixar os culpados impunes e aflitos com a ideia da condenação de alguém. São como as pessoas que Jesus descreve depois que os mensageiros de João se retiram: “Mas a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: ‘Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes’. Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: ‘Tem demônio!’ Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!’ Mas a sabedoria é justificada por suas obras” (Mateus 11.16-19). Quando Jesus condena a geração de João com essas palavras, também condena a nossa e oferece uma franca avaliação de nossa ambivalência. O que, de fato, queremos de Deus? Justiça ou misericórdia? O que parece é que desejamos a justiça sem julgamento, e a misericórdia sem justiça.
As condenações de Jesus revelam uma verdade ainda mais desconcertante. Elas sugerem que, de certa forma, Cristo desaponta a todos – e desaponta-os de igual modo. O Filho de Deus não decepciona apenas as pessoas de Nazaré, que o levaram para fora da sinagoga e tentaram jogá-lo de um penhasco porque ele não quis realizar milagres. Ele decepciona também as pessoas de Corazim e Betsaida, onde ele efetivamente fez maravilhas. Sim, Jesus decepcionou a amigos e inimigos da mesma maneira.
A resposta de Cristo à pergunta de João deveria ser uma pista de que deixamos algo passar despercebido. Nossa decepção está ligada, principalmente, a um problema de percepção. O mais impressionante a respeito da resposta de Jesus é que ele não oferece nenhuma informação nova. João já sabia tudo aquilo que o Filho de Deus fala para ele. Até mesmo a descrição dos milagres é apenas um lembrete para João de tudo que ele já ouviu. Como, então, a resposta de Jesus ajuda? Ela faz uma alusão a uma passagem de Isaías, inserida no contexto de uma promessa que João, como um estudioso das Escrituras, reconheceria imediatamente: “Fortalecei as mãos frouxas e firmai os joelhos vacilantes. Dizei aos desalentados de coração: ‘Sede fortes, não temais. Eis o vosso deus’. A vingança vem, a retribuição de Deus; ele vem e vos salvará” (Isaías 35.3-4).
E qual é a resposta de Jesus aos mensageiros de João? “Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o Evangelho” (Mateus 11.4-5). Com efeito, é como se Cristo dissesse: “Diga a João que o seu Deus veio – que veio com vingança. João, seu Deus veio para te salvar”. Em outras palavras, assim como João, nós estamos desapontados com Jesus porque não vemos o que ele está realmente fazendo. Acontece que temos trabalhado sob um grande equívoco. O Salvador veio por nós, mas isso não significa que ele veio para nos agradar. Jesus veio por nós, mas ele não nos deve satisfações de seus atos. Logo, ele não vai se submeter aos nossos planos, não importa quão bons eles possam ser – em vez disso, ele exige que nós nos submetamos a seus planos.

DOMÍNIO DA GRAÇA
A solução para a nossa decepção é, então, engolir e tolerar isso? Ou admitir que a vida é decepcionante e decidir superar? Não, é justamente o oposto. As palavras de despedida de Jesus aos discípulos de João foram tanto palavras de bênção quanto de aviso: “E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mateus 11.6). Essas foram as últimas palavras que João ouviu de Jesus antes de morrer, e são as últimas palavras de Cristo para nós sobre o nosso desapontamento, independentemente do motivo.
Diante de uma grande decepção, normalmente queremos uma explicação. Isso porque, de maneira tola, pensamos que assim nos sentiremos melhor. Mas já nos ocorreu que isso, na verdade, pode acarretar efeito contrário? Ao invés de uma explicação, Jesus nos oferece algo infinitamente melhor: ele mesmo. Quando se trata de decepção, não há outra solução. A decepção nos faz desejar devolver na mesma moeda. Enquanto nos agarrarmos a isso, a decepção irá envolver nosso coração como uma serpente; quanto mais forte nos apegarmos a ela, mais ela nos dominará. A única maneira de nos libertarmos é nos ajoelhando diante de Jesus.
Podemos nos agarrar à decepção ou podemos nos agarrar a Cristo. Podemos colocar nossa decepção sob o poder da cruz e nos agarrar à esperança. Quando entregamos nossa decepção a Cristo, na verdade estamos nos entregando a ele; e, enquanto nos apegarmos à esperança, estamos nos rendendo ao domínio da graça de Deus. João sabia disso. Foi isso que a voz vinda do céu havia dito o tempo todo: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 3.17). Jesus desaponta a todos. A todos exceto, exceto um – o Pai.

John Koessler é escritor e professor de estudos pastorais no Instituto Bíblico Moody, nos Estados Unidos

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