Entrevista exclusiva com Caio Fábio.Revista Cristianismo hoje.
Entrevista exclusiva com Caio Fábio
“Eu só quero viver em paz”. Pastor diz não rejeitar
seu passado e que quer ser livre do sistema religioso
Por Danilo Fernandes
Depois de vários anos sumido do noticiário nacional, o pastor Caio Fábio D’Araújo Filho voltou às manchetes no fim do ano passado. Réu na ação movida contra ele por conta do episódio conhecido como Dossiê Caimã – conjunto de documentos falsos que, pouco antes da eleição presidencial de 1998, acusava altas figuras do governo de ter contas secretas naquele paraíso fiscal –, Caio foi condenado por uma juíza federal a pouco mais de três anos de reclusão. Cabe recurso, e o pastor já avisou que vai até às últimas instâncias. “A juíza quer aparecer”, ataca, sustentando a mesma versão que conta desde o início do imbróglio: a de que foi envolvido inocentemente numa conspiração política. Essa parte de seu passado, bem como muitas outras, já não são conhecidas pelas novas gerações de crentes. Contudo, os evangélicos mais maduros sabem que Caio foi a mais destacada liderança evangélica já surgida no país, cuja visibilidade, catapultada por uma ação ministerial intensa – como a criação da organização Visão Nacional de Evangelização, a Vinde, e da Fábrica de Esperança, megaprojeto social que atendeu centenas de milhares de carentes num conjunto de favelas do Rio –, marcou época entre os anos 1970 e 90. Hoje, Caio olha para esse passado com serenidade. Ele diz que não repudia nada do que fez, mas que não quer mais saber de ser a figura pública, aclamada e requisitada de outrora. “Esse tempo acabou definitivamente para mim. Minha alma não tolera mais a possibilidade dessa vida itinerante”, diz, em sua casa em Brasília. Cercado de árvores, jardins e recantos, é dali que ele grava os programas que exibe pela internet, parte importante das atividades do Caminho da Graça, ministério que hoje capitaneia. Tida como uma igreja de perfil alternativo, o grupo reúne-se em várias cidades brasileiras e, segundo Caio Fábio, procura restaurar o sentido da comunhão cristã. “Ele é um movimento conduzido pela Palavra e pelo Espírito Santo. Queremos que invada a massa, abranja tudo e se torne incontrolável como o vento que sopra onde quer”, diz, com a retórica privilegiada que conquistou milhões de admiradores e fez sucesso em mais de 100 livros publicados. De certas experiências do passado, ele não esconde a dor – como a separação de sua primeira mulher, Alda Fernandes, com quem teve quatro filhos, e a trágica morte de Lukkas, o terceiro deles. Contudo, embora muito criticado e contestado ao longo desses anos todos, ele assegura, “diante de Deus”, que não sente mágoa de ninguém. Aos 57 anos de idade, casado com Adriana Ribeiro, Caio Fábio D’Araújo Filho se diz em paz. “Eu sou livre. Sou nascido do Evangelho, nascido de Jesus. Hoje, sirvo ao Senhor e não preciso perder o meu ser, a minha saúde, a minha paz, o meu convívio familiar. Isso é graça de Deus para mim!” CRISTIANISMO HOJE – Recentemente, o senhor voltou ao noticiário com a notícia de sua condenação no processo que investiga o episódio do Dossiê Caimã. Como ficou esse processo? CAIO FÁBIO D’ARAÚJO FILHO – Meu advogado entrou com recurso e eu ganhei. Agora, deve seguir para outra instância. Esse processo é uma loucura inominável. Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que seria o maior prejudicado se a história fosse verdadeira, já veio a público me isentar de qualquer culpa. Se sua inocência é tão óbvia como diz, por que um assunto praticamente esquecido pela opinião pública foi trazido novamente à tona? Por iniciativa de uma juíza federal que gosta de aparecer. Como o episódio foi um fato histórico que envolveu até a Presidência da República, ela quis ser a mulher que decretou a prisão do indivíduo que seria o boi de piranha daquele negócio todo. Um grupo de advogados amigos de São Paulo queria até entrar com uma representação contra ela perante os conselhos de Magistratura, porque acharam que ela passou dos limites. Mas o advogado que me representa nos autos não deixou. A quem interessaria uma condenação sua? Ah, interessaria a muitos religiosos. O próprio pessoal da imprensa que me ligou disse que isso é uma coisa surreal, que aquela mulher é doida. Ninguém acredita em nada daquilo. Só a Folha de São Paulo é que deu com um destaque maior por uma razão política que eu não vou dizer aqui. E a TV Record [ligada à Igreja Universal do Reino de Deus], por razões óbvias. Estou junto como réu ao lado de Paulo Maluf e Lafayette Coutinho. No entanto, só eu fui condenado! Mas olha, se, por algum motivo totalmente inexplicável, esse negócio chegar ao Superior Tribunal de Justiça, será liquidado lá. E, se por alguma insanidade passar e for ao Supremo, vai morrer na praia. O senhor trabalha com a hipótese de uma condenação definitiva? Se, por alguma conjunção cósmica totalmente irracional, eu for mesmo condenado a prestar serviço comunitário ou fazer ação social, eu vou dar um grande “aleluia”, porque estarei sendo condenado a ser eu mesmo, a fazer o que sempre fiz esses anos todos, por minha total iniciativa. O senhor concebeu e liderou um dos maiores projetos de cunho social de iniciativa de evangélicos já feitos neste país, a Fábrica da Esperança, considerado o maior do gênero na América Latina. Com esta credencial, como o senhor avalia a relativamente pequena atuação da Igreja brasileira na área social, ainda mais evidenciada quando consideramos as altíssimas somas de dinheiro arrecadadas pelos grandes ministérios e denominações? Não existe nenhum grupo mais ególatra dentre todos os movimentos religiosos planetários do que o movimento evangélico. Isso por causa da semente dele – a semente é má, é de divisão. A semente original, de protesto contra a Igreja Católica, transformou-se numa semente de protesto existencial contra tudo. Essa divisão criou a ênfase no dogma doutrinário. Isso divide, qualquer que seja o desencontro, em qualquer nível na escala de valores. Falta tolerância naquilo que não tem significado para a salvação, no que não altera o DNA do Evangelho. Esse tipo de tolerância no olhar nunca existiu. O que se instituiu foi a prevalência do existencialismo espiritual, e esse não lida com as categorias objetivas de valor. E logo o chamado movimento protestante virou esse guarda-chuva evangélico, sob o qual cabem todas as coisas. Quando é que pode haver unidade e serviço ao próximo se, no meio evangélico a unção para nada serve senão para erigir egos? A unção do Espírito Santo deve redundar no amor, na compaixão, na misericórdia, no serviço – mas a “unção” que vemos aí só tem poder para criar lúciferes com purpurina na cara, que atuam em palcos com luzes. Em função deste e de vários outros projetos e iniciativas, o senhor levantou muito mais recursos do que o de diversos líderes de hoje, que estão até comprando aviões particulares. À época, o senhor teve o seu? Nunca tive avião ou helicóptero. Faz parte da minha filosofia não adquirir nada. Nem esta casa onde vivo eu comprei, ela me foi alugada a um valor simbólico por três senhoras amigas. Eu nunca comprei coisa nenhuma, nunca acreditei em compra de nada. O Caminho da Graça nunca vai comprar nada. Creio que imobilizar dinheiro do povo de Deus com patrimônio físico é pecado. Quem diz que a nossa pátria está nos céus e faz aquisições poderosas ou erige templos salomônicos está pecando contra o espírito do Evangelho. Tudo o que eu construí e mantive era alugado. Passei 25 anos declarando que não tinha o menor compromisso com a manutenção de coisa alguma que virasse um fim em si mesmo. Quando você é dono de propriedades, você acaba vivendo para fazer a manutenção de tudo e as coisas perdem a finalidade. E o senhor vive de quê? Sempre vivi exclusivamente do ministério. Todos os direitos autorais dos meus livros e a renda obtida com nossas atividades no passado – TV, rádio, revista, editora – era voltada para a atividade missionária, social, evangelizadora e de treinamento. Era tudo reinvestido naquilo que fazíamos. E continua sendo assim hoje. Quem o ouve falar percebe que o senhor faz questão de traçar uma linha divisória entre o que é hoje e o que fez, em especial em relação ao seu passado institucional, quando era uma figura pública dentro e fora da Igreja. Há algo que o senhor repudia em seu passado? Não. Eu nunca rechacei meu passado. Só não faria de novo. Naquela época, contudo, foi necessário. Só de uma coisa me arrependo no meu passado institucional: ter aceitado a imposição de ter sido feito presidente da Associação Evangélica Brasileira [AEVB], pela qual eu mesmo trabalhei muito para ver criada. Eu não queria a função, mas fui eleito por aclamação. Praticamente me obrigaram a aceitar, porque a entidade surgiu com o patrocínio da Vinde. Noventa por cento da AEVB estavam ligados aos ministérios que eu dirigia. Eu não queria e nem precisava presidir a AEVB. Pelo contrário – eu é que dei mídia para ela. Mas a AEVB não cumpriu um papel importante na época? Afinal, ela esteve à frente de movimentos marcantes dos anos 90, como o Celebrando a Deus como Planeta Terra, o Rio Desarme-se e o Reage Rio, entre outras mobilizações que contaram com o apoio dos evangélicos. Quando se criou a AEVB, a gente já havia perdido tempo demais discutindo o sexo dos anjos. Já estávamos correndo no vácuo do prejuízo. Esperamos muitos anos num processo lento, de muita conversa infrutífera. A AEVB só surgiu em 1991, depois que o [bispo Edir] Macedo já havia começado a dar as cartas do neopentecostalismo brasileiro. A AEVB foi criada com apoio desse pessoal que agora fundou a Aliança Cristã Evangélica Brasileira e de outros, mas ninguém botava dinheiro, ninguém se mobilizava para fazer nada. O senhor foi convidado a participar da Aliança? Não fui convidado, e mesmo se fosse, não iria, porque não acredito mais nisso. Todos esses irmãos queridos que estão lá sabem que eu sempre quis ser livre para dizer o que eu queria. Esse tipo de iniciativa tinha que ser criada bem antes, lá no início dos anos 1980, quando havia muita gente séria, respeitável, de corações generosos. Isso tinha de ser criado logo depois do Congresso Brasileiro de Evangelização, em 1983, que para mim foi o maior evento representativo da história da Igreja brasileira. Ali ocorreu a grande oportunidade de unidade. As almas ainda estavam ingênuas, puras, sinceras. A teologia da prosperidade não existia por aqui, o que prevalecia era a teologia da missão integral. Havia uma quantidade enorme de pastores piedosos e desejosos de ver o melhor de Deus acontecer neste país. Creio que, àquela altura, ainda dava tempo de a Igreja ter um papel de relevância e significado, Ainda dava para virar as coisas e não perder os significados do termo evangélico. A sua separação foi um acontecimento público, que envolveu adultério. Naquela época, isso ganhou enorme peso perante a Igreja. No entanto, já àquele tempo diversas denominações já ordenavam pastores divorciados e encaravam a questão de forma liberal. Também são muitos os exemplos de pastores famosos – alguns, líderes de denominações – que se divorciaram em condições semelhantes às suas, mas a repercussão em nada se aproximou do tratamento que lhe foi concedido. Por que o seu caso, até hoje, suscita tanto escândalo? O senhor se considera perseguido? Eu daria três razões para este tratamento especial e a grande comoção que o episódio causou. Em primeiro lugar, a minha situação para essa moçada toda foi insuportável. Ministerialmente, eu funcionava como uma espécie de foice, rodando em cima de cabeças conceituais. Toda vez que aparecia um maluco – e eu nunca precisei nominar os malucos, apenas expunha seus erros e dizia que o Evangelho era de outro jeito –, essa foice cortava logo aquela cabeça, o cara virava herege. Por isso, todo mundo tinha medo de que minha opinião conceitual colocasse alguém em situação difícil. Eu tenho certeza absoluta da quantidade enorme de gente que torcia por uma fragilidade de minha parte justamente por causa desse papel que eu exercia. E esse não foi um papel que eu pleiteasse ou buscasse; ele aconteceu espontaneamente. Foi Deus que fez isso por sua graça, eu só estava pregando o Evangelho, que, aliás, é o que eu sempre fiz. Então, o senhor acredita que parte desta liderança que ai está não teria o espaço que tem se não fosse a sua saída do cenário? Seu espólio foi negociado? Com certeza. Não preciso falar nada. Basta ver até 1998 quem era quem e o que aconteceu de 2000 em diante. Quer ver uma coisa? Logo depois do que aconteceu, diante daquela comoção toda sobre o que tinha acontecido comigo, houve uma reunião de 300 pastores em São Paulo especificamente para tratar sobre quem ia ficar com qual parte do meu despojo, para saber quais eram os espaços que eu havia deixado abertos e quem deveria ocupá-los. E foram milhares que também fizeram isso. Não quero nem falar de traição, porque no meu coração já estão todos perdoados, mas se eu abrisse a boca ninguém ficava em pé. Esta foi uma razão. Em que pese o fato de que eu cometi um ato pecaminoso de traição e infidelidade, isso está longe de ser a causa principal da grande comoção. Sabe qual foi a causa? Eu ter tomado a iniciativa de contar tudo, ou seja, por minha vontade expor tudo em verdade, sem que qualquer coisa tivesse sido descoberta por ninguém. E eu que ouvia a confissão de tantos deles e sabia de suas fraquezas, das promiscuidades… E, depois, estes mesmos iam à TV bater em mim confiando na minha integridade, pois sabiam que eu não os exporia. E a terceira razão foi que, naquele momento, eu aproveitei a oportunidade e pulei fora do barco. Este foi o elemento mais doído de todos. A Igreja Presbiteriana me propôs uma discipina como condição para minha restauração. Eu respondi que não estava pleiteando nada, e que estava me desligando da denominação unilateralmente. Eu não queria mais ser parte daquilo. Escrevi três cartas e eles não aceitaram nenhuma. Pensei: “Meu Deus, isso aí não é a máfia, da qual o camarada só sai morto”! Depois me propuseram dar o tempo que eu julgasse necessário e que, depois, se eu quisesse voltar, seria restaurado e estava tudo certo. Mas eu disse que não queria. |
07/04/2012 14:09 - publicado por gilvandro.ro [ Alterar ] [ Excluir
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